Lá pelos anos 70 estávamos eu e alguns outros garotões amigos tomando um café num boteco de Vila Prudente. No jogar prosa fora, nos chamou a atenção o furioso grafitar em um muro, do lado oposto da Rua Capitão Pacheco Chaves. <br><br>Quem laboriosamente desenhava garranchos angulosos,aliás, semelhantes aos que “emporcalham” as cidades hoje em dia, era a Maria Louca.<br><br>Maria Louca não era uma Maria como muitas por aí, tratava-se de uma mulata cerca de 40 anos, com um rosto bonito, porém alanhada pela rudeza da vida que certamente lhe fora ingrata, em geral mal humorada, mas ao mesmo tempo, emanando pureza, muito doce para as circunstâncias perversas que a cingiam. Tida como desequilibrada, que morava Deus sabe onde, e era vista frequentemente em suas pobres e puídas vestes pelas ruas do bairro, sempre em sua delirante tarefa de, com um pedaço de carvão, anotar suas verdades nas paredes e muros.<br><br>A curiosidade incontida levou-nos a discutir sobre se teriam algum significado para a Maria os sinais traçados. Perante a dúvida, interrompemos o nosso cafezinho. Nada melhor que perguntar para a própria. E lá fomos nós, cruzamos a rua e achegamos à Maria sem interlúdios, travando o seguinte diálogo:<br><br>- Maria, o que você está rabiscando no muro?<br><br>Continuando em sua faina, sem ao menos nos olhar, Maria respondeu.<br><br>- Vocês não estão vendo? Estou escrevendo;<br><br>- O que você está escrevendo, Maria?<br><br>- As minhas coisas e minhas recordações.<br><br>- E você consegue se lembrar do que você escreve?<br><br>Aí pela primeira vez Maria parou em sua tarefa e nos encarou como que surpresa, e respondeu:<br><br>- Claro, se eu escrevo eu sei o que escrevo!<br><br>- Maria, porque então você estão não escreve com letras como todo mundo? Aí nós poderíamos saber do que trata a tua escrita.<br> <br> Ela nos encarou novamente e respondeu<br><br>- Que pergunta boba, vocês não sabem que eu sou analfabeta?!<br><br>E-mail: [email protected]