I – Cinquenta anos passaram: uma eternidade, nossa! Eu, adolescente; ainda lembro bem de como um belo ônibus da CMTC – americano, vermelhão – deslizava macio. Rápido, gostoso de nele andar. Pneus roçando velozmente os paralelepípedos – na Turiaçu, poderia ser. Um "suave" atrito (se é que atrito pode ser suave): "Vrrrum"… Tempo aquele distante, no qual a maioria das ruas pavimentadas era daqueles blocos de granito, não? Asfalto? Quase que só mesmo avenidas. Trânsito de semáforos de controle manual; longe ainda a cidade de ter a CET. Postes da Light, muitos deles de ferro, quando não mesmo de tronco de eucalipto, até. São Paulo que até ainda tinha garoa…<br><br>II – Parecia um grande lagarto, ao deslizar, o belo ônibus da CMTC. Acelerava rapidinho! Os faróis – circundados por guarnições de borracha (marca registrada do modelo) – eram olhos atentos ao trânsito. Exagerando – e exageradamente – o ônibus americano era como um jato supersônico, é. Como um caça, que só caçava passageiros, claro. Primeiro, o ônibus surgia veloz, rente ao chão. Depois é que lhe ouvíamos o motorzão, situado na traseira do carro. Tal qual o jato que passasse para só depois ouvir dele o barulho. Lagartão "quase" supersônico.<br><br>III – Anos 50. Eu então moleque. O pouquinho que escapava de meu refúgio, Vila Mariana, vez ou outra podia, então, admirar o belo ônibus americano. Comparado ao comum dos ônibus que aqui rodavam, eles eram de um avanço e tanto! Poder-se-ia dizer "tecnologia de primeiro mundo" – se, àquela época, a expressão existisse… Ônibus aqueles iguaizinhos aos de Nova York, Chicago ou Washington, que eu via no Cine Cruzeiro. Pois os belos ônibus referidos – mais o bonde Gilda e o montão de automóveis e táxis da São João – os cinemas e lojas da Broadway paulistana; o nosso "Empire State Building" (o Banespa), no fim do horizonte, topo da Antônio Prado – tudo compunha o cenário: naquela região, principalmente, São Paulo era Manhatan! Parecia. A CMTC que estava para nascer em julho de 1947, em maio (mostram os jornais) apresenta ao povo esse belo ônibus americano. Festivamente, com pompa. Pois inaugura com eles a linha Jardim América, que chique! Tempos depois, igualmente, surgem os tról ebus, também privilegiando outros bairros nobres: Aclimação (por primeiro), Jardim Europa e Jardim Paulistano.<br><br>IV – Tais ônibus americanos – a frota parece ter sido de 60 – zero quilômetro! – eles sobressaíam. Impossível não notar, perto do que aqui havia. Modernos, robustos, confortáveis; bem acabados e bem iluminados. Motorzão possante. Para com esses ônibus ombrear, só mesmo outros americanos, contemporâneos, também trazidos para a CMTC: o lindo Twin-Coach! Que dupla! Incomparáveis. Muito embora, à época, houvesse carrocerias nacionais e até de tradição, elas ficavam aquém. Quem viajou nos coaches – assim chamados até pelos jornais – por certo não os esqueceu. Não mesmo. Os coaches da CMTC: tudo neles era bem feitinho. Janelas, portas, assentos, detalhes: belos frisos cromados, luzes de freio (STOP!). Coisa de americano. Até calefação! Da qual não precisávamos… O belo GM TDH 4008, da CMTC!<br><br>V – O quê? Que troço? "TDH"? What is this? Por mera curiosidade, até que vale comentar: por memória do transporte, só. Coisa que foi explicada a mim até há não muito tempo: vim a saber, quarenta anos depois, dos ônibus sumirem da paisagem paulistana. "Transit Diesel Hydramatic", o tal TDH: ônibus de trânsito urbano, diesel e de transmissão automática. Ou seja, para 1947: ônibus nota 10! E o 4008? Quarenta assentos, 8ª versão do modelo. A GM os produziu bastante, em várias versões, por longo período, nos Estados Unidos. Uma referência em transporte. No começo da CMTC, os coaches protagonizaram inúmeros acidentes, mostram-nos os jornais. À parte a inevitável imprudência, provavelmente também pelo fato de aqueles ônibus acelerarem depressa, logo ganhando velocidade. Batidas e atropelamentos. Acontecia também com os Twin.<br><br>VI – Belos coaches que, até o começo dos anos 60, lembro de que partiam da Patriarca e da Ramos. Para a Lapa, Perdizes e Sumaré. Linhas outras que só "conheço" de jornais: Aeroporto, Itaim-Bibi e Conselheiro Brotero. Vila Mariana, que era território dos ACLO ingleses, creio que nunca abrigou os TDH. Eu, pelo menos, não me lembro. Devem ter deixado saudade. Ao menos de quando rodavam bem cuidados, claro. Ainda lhes ouço o ronco do motor. E até o gostoso "vrrrum"… Nenhum deles foi guardado. Pena. Na internet, porém, os podemos ver. Muitos deles.<br><br>VII – Creio que em 1962. Eu fazia entregas na rua. Certa vez, no trem de subúrbio, na Barra Funda, deu para ver. Alguns daqueles TDH, enfileirados, no pátio da garagem. Moribundos, aguardando a guilhotina ou a forca. Era o fim do serviço. Nem unzinho foi poupado. E que hoje estaria enriquecendo a memória do Museu dos Transportes, não é? É. Poderia.<br><br>VIII – Um coach TDH no Museu! Haveria que ser um pedacinho da memória viva do transporte paulistano, hein! E para aguçar a nostalgia, que o coach ficasse num chão de paralelepípedos, tem mais essa. Para lhe imaginarmos o suave "vrrrum"… Um belo coach TDH – então vermelhão, resplandecente. Lá no Museu. Deslizando veloz na imaginação. Na rota da saudade paulistana. Cujo ponto final não seria outro que um coração. O da Cidade. Vrrrum!<br><br>E-mail: [email protected]