Praticamente nasci nesse recanto da cidade, subdistrito de Santo Amaro na época, Vila das Belezas com Jardim São Luiz, vim para cá com um ano de idade, na época um dos fundões da zona Sul de São Paulo, matas, chácaras e fazendas, hoje esse fundão se prolongou e está chegando a Itapecerica da Serra, hoje se vai a Itapecerica, Embu Guaçu e Embu das Artes e Taboão da Serra pelos bairros dos fundões da Zona Sul, isso era inimaginável até as décadas de 1980, só pelas estradas, como BR 116 (Regis Bittrencourt.) e Raposo Tavares.
Nos anos 1950, como grande parte da cidade a vida se resumia do centro aos Rios Pinheiros, Tiete e Tamaduateí, onde o Centro, que chamávamos de cidade, era uma ilha, onde as pontes na maioria eram de madeiras. A vida após o rio caminhava, aqui pelos lados de Vila das Belezas, Jardim São Luiz, Capão Redondo, Campo Limpo e outros. Nossos pais trabalhando, os filhos logo aos 12 para 13 anos arrumavam emprego, não dava tempo para ficar ocioso, não existia "dimenor" infrator, óbvio que com poucas exceções, pois como um dos decanos do bairro, acompanhei e acompanho essa classe dos anos 1950 e sua transformação, esses moradores na sua maioria conseguiram êxito na vida com seu trabalho digno.
Ainda encontro nas ruas, muitos filhos e até netos dos moradores da época de meu pai e a pergunta de sempre e seu pai como vai? Ah, ele já faleceu há tantos anos, ah o meu também, esquecemos que já estamos na casa dos 60 anos e para os outros ainda somos novos, velhos são os outros, interessante, pois sou amigo de muitos de minha idade, crescemos juntos e meu pai foi amigo do pai desses amigos, essa é uma das vantagens de morar sempre no mesmo bairro e creiam muitos netos se identificam dizendo aos outros meninos, meu avô conheceu seu pai e assim por diante…
Vejo hoje essa turma dos anos 1950 todos aposentados já com netos e na sua grande maioria tiveram bons exemplos. Quem sempre morou no mesmo bairro como eu e cresceu com ele, pode desfrutar e lembrar de como era e como está sua região e mesmo aqueles que foram embora para outras regiões e quando voltaram ou voltam podem verificar a transformação, com muitos deles nosso contato é constante e outros em menor escala, mas a conversa sempre gira no antigo, ali era assim, agora está desse jeito.
Alguns fatos interessantes que não é possível esquecer, era que nada acontecia de novidade na época no bairro, sempre aquela vidinha, escola para casa, trabalho para casa, às vezes íamos caçar passarinho, nadar nas lagoas e nos fins de semana futebolzinho no campinho, as vezes era difícil conseguir dez meninos para um "racha" na rua de terra, o que depois dos anos 1960 sobrava, pois o bairro crescia.
Os divertimentos em casa era ouvir o jogo de futebol dos profissionais pelo rádio, ou uma música sertaneja, ir ao cinema na cidade nem pensar era longe e caro, as vezes tinham uns vizinhos mais antigo que gostavam de contar causos, geralmente à noite, na calçada da rua que era um barranco e nas noite frias ao lado do fogão a lenha, como as histórias de Pedro Malazarte e sua estripulias, Jeca tatu, feiticeira, mula manca, mula sem cabeça e muitos outros, muitas vezes à noite contávamos estrelas, corríamos atrás de vaga-lumes, contar balões, fora as brincadeiras normais da época.
Aos 12 ou 13 anos os pais já procuravam encaminhar os filhos para o trabalho e aí acabava as brincadeiras para muitos, escola só à noite. Muitos iam para o Senai, aprender mecânica, em tornos, furadeiras, fresas, época gloriosa financeiramente para quem era torneiro, fresador, hoje são apenas saudades, as maquinas computadorizadas tomaram conta como as centrais de usinagem, e assim como os desenhistas, hoje temos os CAD.
Os pais nos fins de semana ora trabalhavam na construção da casa, do puxadinho e depois iam tomar "umas" no bar e papear com amigos, nunca esqueço da turma bebendo quando ia ao bar chamar meu pai, muitos homens antes do gole da "mardita" davam uma para o Santo, ou seja, jogavam um pouco da cachaça na parede do balcão e viravam o resto da canjebrina num gole só e davam um hurro e faziam aquela cara de satisfeito, nunca mais vi esse ato de dar uma para o santo, deve ser economia ou o progresso ou não acreditam mais no Santo.
A vidinha era tão calma que parecia também que ninguém morria, lembro só uma vez de um velório, que na época era feito nas residências, eu fiquei sabendo, mas não fui ver, o pavor era grande, lembro que fui entrar num cemitério pela primeira vez com uns 17 anos, mais ou menos, em Santo Amaro, em compensação hoje em dia vemos uma morte por dia no mínimo aqui na minha região, até construíram um cemitério, São Luiz, no bairro Jardim São Luiz, que é o segundo maior da cidade, que fica no triangulo da morte Jardim São Luiz – Jardim Ângela e Capão Redondo, depois incluindo Parque Santo Antonio, local que já foi o mais perigoso do mundo.
Nesse Cemitério a maioria dos sepultados são de morte por bala de fogo e a maioria jovens, onde chegou a ter oito sepultamentos num só dia de menores de idade e onde a perspectiva de vida na região, creio que não chegava a 30 anos e graças ao trabalho de grande parte da comunidade e trabalho de psicólogos, padres como o padre James Crowe, Irlandês, conhecido como Padre Jaime do bairro Jardim Ângela que têm um trabalho dignificante na região em prol do menor e do menos favorecido.
Apesar de tudo na época a vidinha por aqui caminhava, muitos lotes ocupados e muitos vazios, ruas de terra, ruas projetadas, ruas com denominações alfabéticas e numéricas, ruas sem energia elétrica e quando chegavam os postes, muitas ruas ficavam sem, seus moradores tinham que comprar os postes da Light S/A, pois as ruas eram Projetada ou sem saída. A maioria emprestavam a energia do vizinho dos fundos ou do lado, onde a energia chegava, pois os postes eram locados a cada 40 metros e a distância da casa ao poste da rua não podia passar dessa distância, nessa época os postes era de madeira, em algumas ruas ainda encontramos alguns remanescentes.
A vidinha era realmente como a de uma cidadezinha longínqua do interior, pois tudo se assemelhava e estávamos a 15 km da cidade e Santo Amaro já tinha passado de município a bairro há mais de 15 anos, água era de poço, na base do sarilho, nos quintais muita hortas, frutas e animais. Hoje em dia os loteamentos, tantos os de comunidades, condomínios já nascem com toda infraestrutura, até as palafitas de córregos, as invasões tem energia elétrica e muitos não pagam nada ou quase nada, sem contar com as irregularidades "gatos".
Mas, a vidinha por aqui após o rio, também tem história, história de luta, paciência, amor, coragem e respeito para fazer jus à vida digna de seus moradores, são histórias de vida que não encontramos nos livros e agora temos a oportunidade de revelá-las ao mundo pelo SPMC.
As histórias aqui publicadas, são lidas e homenageadas pela sua qualidade por órgãos importantes e visadas pela mídia em geral, sabemos de vários autores dando entrevistas e depoimentos na TV, como TV Câmara, TV Globo, Jornais, revistas, alguns autores deram entrevistas em vídeo ao SPMC, assim como alguns receberam até prêmios. Muitos outros recebem emails com elogios, pois usaram o tema exposto para defender nas escolas e faculdades os TCCs – trabalho de conclusão de curso – ou monografias e ou trabalho escolar.
Afinal, todas as cidades, começaram um dia como uma vilinha, com sua vidinha e se hoje conhecemos, por exemplo, a história oficial ou oficiosa da cidade de São Paulo é por que alguém há 500 anos escreveu, fotografou e ou desenhou algo sobre a vidinha aqui nessa cidade, naquela tapera, naquela casa de pau a pique a luz de fogueira e ou lampião. Aquele primeiro padre, primeiro morador, primeira família, geraram o que somos e fazemos hoje, assim caminha a vidinha que depois se transforma em metrópole, mas nunca esquecendo dos verdadeiros heróis que foram os primeiros moradores, a razão de tudo e graças àqueles que têm a capacidade de passar para o papel esses fatos para eternidade.
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