São 20h, o ano é 1973 e eu estou cansado, depois de passar quase o dia todo ensaiando e gravando o programa “Deu a louca no show” nos estúdios da velha TV Tupi paulista no Alto do Sumaré, ao lado de grandes nomes do cenário artístico brasileiro, como José Vasconcelos, Jorge Loredo (Zé Bonitinho), Ary Leite, Neide Aparecida, Ronny Cócegas (popular Cocada) Wanda Moreno, Miriam Rodrigues, Geraldo Alves, Roberto Roney, Teresinha Elisa e ainda a direção do saudoso e querido ator e diretor Paulo Celestino.
O meu prazeroso, mas estafante dia de trabalho estava encerrado, apesar dos cachês atrasados, a velha Rede Associadas, antigo Canal Três e depois Canal Quatro, infelizmente caminhava para o seu triste fim, não sem antes de ter sido o alicerce e o berço de grandes profissionais das atuais redes de televisão do Brasil.
Saí da emissora ainda com aquele stress de gravação, parei na padaria ao lado da TV, muito famosa na época pela frequência diária de muitos artistas de cinema, teatro, e televisão, e principalmente pelas atrizes e atores das novelas da hoje extinta Tupi, e que até hoje ainda circulam em nossas telinhas em vários canais. Como Laura Cardoso, Lima Duarte, Irene Ravache, Paulo Goulart, Nicette Bruno, Eva Wilma, Luiz Gustavo, e tantos outros.
Bati um papinho enquanto saboreava um café, deixei a padaria e exausto como estava, resolvi caminhar um pouco pelas ruas do Sumaré, e assim rever lugares onde em criança saindo da Freguesia do Ó com vários amigos íamos jogar umas peladas, com companheiros que moravam na Vila Pompéia.
E então, sempre caminhando pela Rua Professor Alfonso Bovero, entrei na Rua Bruxelas e depois na Rua Havaí, alcancei a Rua Capital Federal, voltei e cheguei a Ruas Caraíbas, minha intenção era caminhar até a Rua Turiassú e ali em frente ao Estádio do Palmeiras (que horror, pois sou corintiano), pegar um taxi e rumar para a minha querida Freguesia do Ó.
Caminhava assim distraído, agora já quase refeito do stress de um dia de ensaios e gravações, quando ao passar em frente uma casa, notei uma senhora que debruçada sobre o parapeito da janela, naquela gostosa noite enluarada de verão paulistano, acompanhava-me com seus olhos atentos:
– “Moço! Moço! Espere um pouco.” – (na época eu era mesmo) ela falou, fazendo um sinal com as mãos.
A mulher desapareceu da janela, reaparecendo em um terraço, e descendo os degraus da escada de acesso a casa, parou frente a um velho portão de ferro onde eu estava e me perguntou com seu cativante e simpático sorriso:
– “Você trabalha na televisão?”.
– “Sim minha senhora, por quê?”.
– “Ai meu Deus! Que maravilha! Minha idosa mãe adora o senhor, não perde um só programa seu, ela não tem condições de sair da cama, e ela adoraria conhecê-lo pessoalmente, Será que não dá para o senhor subir e ir até o quarto dela, que eu quero que ela veja o senhor. Tenho certeza que ela vai ficar muito feliz. Coitadinha!”.
-“É para já minha senhora” – respondi sem titubear.
Então, acompanhando aquela senhora, subi as escadas me sentindo o Bom Samaritano do Evangelho (seria por certo talvez, a minha única boa ação da semana).
Quando cheguei ao quarto, topei com uma senhora perto dos seus 85 anos, miúda e magrinha com grande meiguice no olhar, assistindo uma televisão em preto e branco com uma imagem horrorosa cheia de chuviscos e fantasmas, imagens estas que a muito eu não via mais em aparelhos de televisão na cidade de São Paulo.
A filha então falou com sua idosa mãe ali deitada, dizendo:
-“Mamãe olha que bacana! Olha quem eu encontrei para a senhora! Esse moço que trabalha na televisão”.
A velhinha sorriu olhou para mim com aquele olhar generoso de mãe agradecida, com muito carinho falou:
-“Moço o senhor trabalha em televisão? Por favor, será que dá para o senhor consertar essa televisão prá mim, olha só prá isso! Não da prá gente ver nada direito” – disse-me mostrando o aparelho
A filha então se apressou em pedir desculpas. Ofereceu-me um café, que não aceitei, pois havia acabado de tomar um, poucos minutos antes.
Ela então me acompanhou até o portão e na despedida ainda em tom de desculpas me disse:
-“Desculpe a minha mamãe viu ‘Seu’ Raul Gil”.
Do jeito que a imagem e a sintonia daquele aparelho de televisão estavam não sei como ela não me confundiu com o Grande Otelo… O que por certo seria até uma grande honra não só para mim, como também para qualquer outro artista brasileiro.
E-mail: [email protected]