Meu primeiro emprego, como office boy, foi numa agência do extinto Banco Nacional Imobiliário, no início da década dos anos cinquenta, na Rua Guaicurus, nº. 670 no bairro da Água Branca.
A agência era nova, recém inaugurada, num prédio térreo, pequeno, aconchegante, de construção recente, com uma porta de ferro pintada com duas argolas douradas enfeitando a entrada. Na época, a agência tinha poucos correntistas; no máximo uns quarenta, e quem era o responsável pela distribuição e entrega da correspondência mensal dos extratos bancários nas empresas e residências dos clientes? A tarefa estava confiada a mim, pois os correios na época eram muito deficientes.
Todas as tardes, após a contagem do dinheiro e dos cheques depositados diretamente no caixa, tinham de ser diariamente transportados para a matriz, que ficava na Rua XV de Novembro no centro da cidade. Todo o dinheiro, os cheques, o movimento do dia, eram acondicionados numa pequena maleta preta, e seguia religiosamente, transportada por mim, num bonde, todos os fins de tarde.
Por incrível que pareça, nunca fui assaltado, pois São Paulo era pacífico, bucólico, sem nenhuma violência. Lembro-me com saudades da Rua Guaicurus, com seu pequeno comércio, e das residências simples, das pequenas indústrias, do cinema São Carlos em meio ao arvoredo espesso, em frente de sua fachada de estilo europeu. No ar, havia um cheiro forte de carvão de pedra e era cortado por apitos dos trens da Santos a Jundiaí e da Sorocabana, que passavam seus trilhos pelo capinzal nos fundos da agência bancária.
Lá havia uma cerca de madeira com um pequeno portão frágil em forma de espeto e um trinco improvisado de madeira. Ali as vacas pastavam no capim farto. Um dia, aconteceu o inusitado. Uma vaca, procurando por bebedouro, entrou pelo portãozinho que estava aberto e pôs sua cara e corpo dentro do pequeno espaço do banco, entre a gerência e a contabilidade, com o gerente, seu Carneiro, fitando o animal, que ainda ruminava o capim, e, num acesso de espanto e incredulidade, pediu histericamente que eu tirasse o animal dali.
Foi difícil. O bicho não ia nem pra frente nem pra trás. Tive de dar a volta no quarteirão e entrar pela Rua do Curtume, caminhar quase trezentos metros pela margem da linha férrea e entrar pelos fundos dentro do banco e empurrar o animal por trás em direção da rua.
Todos os que estavam na agência se puseram a rir do fato inusitado.
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