Uma infeliz modalidade de acupuntura

Foram as tremendas dores nas costas que me abriram as portas para o primeiro contato com a acupuntura. Passei meses tricotando a máquina quando dos primeiros tempos de magistério na escola pública. Seis meses de salários atrasados me fizeram usar da criatividade e buscar alternativas urgentes. Confesso que lutei pelos direitos em tempos em que isso era por demais perigoso, mas lutei. E a urgência pelo dinheiro me fez ir à velha máquina Lanofix da minha mãe.
 
No início dos anos 80 e a acupuntura era ainda novidade no Brasil. Por essas plagas a notícia de que havia essa medicina tradicional foi possível graças à visita do presidente norte-americano Richard Nixon à China, em 1972. O mesmo ficou maravilhado ao conhecer essa prática milenar e algumas informações sobre o assunto começaram a chegar ao mundo ocidental. O meu primeiro contato com a arte chinesa de curar foi através da leitura de um livro que carecia de fundamentação científica. Era apenas o retrato do deslumbramento e das interrogações de um americano que havia acompanhado a comitiva presidencial.
 
E como foi tortuoso o caminho para que eu me tornasse uma profissional da área! Na época, o monopólio cultural da prática era sagrado pelos orientais. Tive que começar a estudar massoterapia chinesa para, depois de quase duas décadas, me especializar na área.
 
Mas hoje, pelo menos em São Paulo, o grande problema é a nova e infeliz modalidade dessa arte que ganhou espaço. Lendo a Folha – que comecei a ler ainda na maternidade – me deparei com o seguinte texto:
 
Devido aos recentes casos de abuso sexual registrados no transporte público de São Paulo, um grupo feminista resolveu protestar de maneira diferente. Alfinetes estão sendo distribuídos para mulheres em uma estação de metrô para coibir a ação dos chamados “encoxadores”.
 
– A campanha é do Movimento Mulheres em Luta, que distribuiu os kits – acompanhados da frase “Não me encoxa que eu não te furo” – desde 7h desta sexta-feira, na estação Capão Redondo do metrô.
 
Segundo nota divulgada no site do grupo, a medida busca denunciar a violência e o assédio às mulheres no transporte público e “exigir do Metrô e do governo do estado que façam uma campanha de conscientização e combate aos assédios”.
 
Fiquei a pensar na complexidade do assunto. Porque, através da atitude de alguns indivíduos, tudo vem à tona: desrespeito, falta de ética, atentado ao pudor, falta de berço, falta de alteridade, egoísmo, petulância… Enfim, faltam adjetivos pontuais para essa mortal. Além de faltar condições básicas de mobilidade urbana.
 
O que o movimento Mulheres em Luta fez, ao reinventar a “acupuntura”, foi dar um grito doloroso e carregado de vergonha em defesa da integridade do gênero. Um grito com lágrimas expostas ao vento. Longe de mim criticá-las. O movimento foi buscar uma resposta imediata à condição de humilhação imposta por sujeitos desclassificados. Confesso que senti admiração por elas… E ainda mais: elas estão avisando o que vão fazer caso sejam molestadas, então, não há como dizer que foram elas as agressoras.
 
E como seria interessante a sociedade repensar o seu papel quando da criação dos filhos! É. Filhos. Quantos de nós fingimos não prestar atenção quando o menino é violento com as meninas? Quando debocha, faz piadas, menospreza, humilha em supostas “brincadeiras”! Como não fazemos quase nada para questionar a situação, o garoto aprende que isso é natural e sem consequência alguma. Naturalíssimo… E continua a agir assim. Quantos são os homens que acham lindo o filho se exibir sexualmente enquanto a filha foi historicamente criada para a submissão? E quantas meninas ainda são criadas para isso?
 
A sociedade brasileira foi construída nesses moldes. É inegável. Portanto, essa condição foi vista como aceitável e, mais uma vez, “natural”. Só que essa construção já passou do insuportável há muito tempo. E mais uma vez se pede que “o governo do Estado faça uma campanha de conscientização…” tem mesmo que fazer, sempre conscientizar, educar… Mas a tarefa cabe – ou deveria caber – preferencialmente aos pais e, quem sabe, avós, que vivem dizendo que “homem é assim mesmo”.
 
Ouso dizer que ser homem é muito mais. Ser homem, homem mesmo, de verdade, não precisa se exibir, contar vantagens sexuais, até porque essa atitude, além de medíocre e idiota, vira sempre objeto de deboche por parte das mulheres, com toda a certeza.
 
Ser homem de verdade significa ter paixão pela vida, respeito pelos demais, ter palavra de honra, ter brio. Ser homem passa pela vontade e esforço de construir um mundo mais justo, uma sociedade mais equilibrada através do trabalho não apenas físico e intelectual, mas moral. Quem sabe, com mais poesia e amor à mulher. Mas um amor verdadeiro, com dedicação, sendo atento.
 
Um amor de homem para mulher me faz lembrar uma parte da história de um paciente meu. Era um senhor já idoso, que adorava tocar flauta. A esposa era a sua principal admiradora. Os seus olhos brilhavam com intensidade quando ele tocava músicas do Pixinguinha. Bastou ela sofrer um AVC, ficar sequelada e profundamente amargurada com a situação, o homem guardou a sua flauta e nunca mais tocou. E me confidenciou: foi em respeito à mulher, que chorava muito quando ele tocava.
 
Isso é amor. Isso é ser homem de verdade!