Um presente de Natal

Saíra a última parcela do 13º salário. Um dinheiro a mais no bolso, que já tinha endereço certo.
Iria comprar os presentes de Natal que ainda faltavam, e saldar as dívidas ainda pendentes.
Já matutando como deveria dividir o numerário, fui caminhando pela Avenida Nove de Julho, em direção ao shopping, local que certamente iria ficar com boa parte do recebido.
Um quadro triste fez interromper meus passos.
Sentados a meio fio ali na Avenida, um casal e mais três crianças. Não estenderam a mão, para pedir alguma coisa, ao contrário, o homem com os braços cruzados sobre o rosto, escondia talvez a vergonha de estar ali, com a família, sob a indiferença de centenas de transeuntes, apressados àquela hora de chegar aos seus destinos.
Parei e perguntei ao homem se estava sentindo-se mal.
Ao descruzar os braços do rosto, notei um rosto banhado de lágrimas, e ouvi uma história que é a repetição de histórias de dezenas de brasileiros desprovidos da sorte.
João, esse é o seu nome, tinha saído de um pequeno lugarejo do Pernambuco. Fora criado na roça, e para comprovar mostrou-me as mãos grossas, cujos calos foram adquiridos da lida com a enxada por anos a fio.
Havia recebido uma carta do irmão que morava em São Paulo, na qual lhe contava as maravilhas da cidade grande, uma eldorado, que oferecia trabalho abundante e oportunidade para se ganhar dinheiro. O irmão, pedreiro de profissão, garantia a João que se viesse, trabalhariam juntos, e logo estariam de volta a sua terra, desta vez com promessa de vida melhor.
Os olhos de João brilharam, largaria aquela vida de fome, o feijão com farinha e de vez em quando uma mistura que ele mesmo plantava na terra árida daqueles confins do sertão nordestino.
Faria melhor, chegaria de surpresa na casa do irmão, e com esse intuito juntou o que lhe restava, vendeu as últimas cabras e com o dinheiro comprou a passagem para ele, a mulher e as três filhas.
Na algibeira, o endereço do irmão em São Paulo, Rua Nove Julho, 1865.
A viagem para São Paulo, fora longa, e já no fim, as meninas olhando as guloseimas, nas paradas do ônibus, ficavam só na vontade, pois João sabia que havia de economizar o dinheiro, pois teria ainda que chegar ao destino.
Seu primeiro contato em terras paulistanas fora na Rodoviária, em meio ao burburinho, as crianças em misto de deslumbramento e susto com tanta gente, escadas rolantes e coisas que nem sonharam em existir. E lá foi João, arrastando as trouxas, a mulher e as crianças em busca do irmão.
E foi ali mesmo que João começou sua desventura na cidade grande.
No posto de informação, após ler o pequeno pedaço de papel, ele ficou sabendo através de funcionários que aqui existiam centenas de ruas com esse nome, e sem uma localização mais exata, como bairro, por exemplo, ficaria muito difícil ele encontrar o endereço. Um taxista lhe sugeriu a Avenida Nove de Julho, e se propôs a levá-los. E João foi.
O número encontrado pertencia a uma empresa de vigilância, e ali, ninguém conhecia o irmão de João.
Quatro dias se passaram, e João, a mulher e as três filhas perambularam de um lado a outro pela Avenida, na esperança de ver o irmão. Dormindo nas marquises, enxotado pelos comerciantes de suas portas, João já poderia ser considerado um morador de rua.
Foi assim que o encontrei, sem dinheiro para nada, lágrimas de desespero cobrindo-lhe o rosto, e a vergonha de pedir ajuda. As crianças sujas, mas com os olhinhos ainda infantis, talvez alheios ao drama vivido pelos pais. Já não comiam há dois dias quase.
Perguntei-lhes se queriam voltar para a sua terra. Lá com certeza teriam parentes para ajudá-los e com mais calma haviam de localizar o irmão.
– Doutor, não tem jeito não. O dinheiro acabou-se e se eu soubesse, nunca teria saído da minha roçinha, onde mal ou bem, eu tinha um feijão pra dar as crianças.
Apertei no bolso o meu 13º salário. Os presentes teriam que esperar. Haveria outros Natais.
Levei-os à rodoviária, depois de tomarem um bom banho em minha casa, onde minha mulher providenciou roupas novas e limpas e alguns mimos para as crianças. Ainda da janela do ônibus que os levaria de volta a sua terra, recebi do senhor João o meu presente de Natal.
– Deus o abençoe! – gritou ele, já com o ônibus em movimento e com intensos acenos de mão.

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