Me preparava para o primeiro vestibular da vida. Durante o dia trabalhava no Banco Real, agência na Rua 24 de Maio. No período noturno, pretendia fazer o cursinho do MED, na Rua Augusta. Fiz minha matrícula em abril de 1971. Devido ao cansaço, no final de maio, já frequentava pouquíssimas aulas após um dia de trabalho.
Acabei descobrindo um bar-lanchonete chamado Crazy Cat, no mesmo quarteirão do cursinho, logo depois da Rua Caio Prado. Passei a frequentá-lo ao invés de assistir às aulas. Recém-desfeito de um relacionamento juvenil, passava as noites na lanchonete, também frequentada pelos alunos do MED nos intervalos.
Saia do trabalho e seguia a pé pela Rua Augusta para curtir minha solidão nas mesas do Crazy Cat, onde fazia meu lanche regado à Coca-cola e escrevendo minhas poesias de "fossa". A cada dia novos desabafos saiam da minha cabeça, mas nada que valesse a pena contar, a não ser que fossem doloridas.
Pouco a pouco a lanchonete foi sendo invadida por alunos que cabulavam aulas como eu. No fundo, se reunia um pessoal que passava horas fazendo um som com violão. Acabei fazendo amizade com uma garota de nacionalidade grega, chamada Poli. Ela era uma pessoa com baixa autoestima, sempre se colocando como vítima e reclamando da vida. Mas eu escrevia e mostrava a ela. E ela fazia o mesmo, era uma troca-troca literária.
Por ser muito entrona, conhecia todo mundo e também fazia parte da turma do violão. O pessoal do fundão passava boa parte do tempo compondo música em grupo na tentativa de colocar alguma nos festivais da Record e no Universitário da Tupi. O tema da música geralmente pendia para o protesto como era o estilo da época. Eu ficava no meu canto curtindo minha fossa rabiscando no papel.
Certa vez, o pessoal atacava no violão tentando elaborar mais uma música… E eu no meu canto rabiscando, quando minha amiga Poli veio ver o que eu fazia.
A seu pedido, mostrei o que escrevia.
Ela pegou meus escritos e levou para ao grupo. Em menos de um minuto, eles juntaram o meu conteúdo do papel com a melodia e se puseram a cantar. Distante mentalmente dali, tomei um susto ao perceber meus versos naquela música.
Letra e música se encaixaram de forma harmônica naquela canção de protesto. "Sem querer querendo" nascera uma melodia que levou o nome "Sem assunto" com a letra abaixo:
Sem Assunto (título)
(Brasil)
Terra Amada
Terra querida
Um dia quero vê-la crescida
Terra amada
Terra sofrida
Ainda vive esperando ser livre
Outrora fomos
Um belo quintal (Portugal)
Passamos de vila a capital (Império )
E a independência não terminou
Pois o gigante já despertou
O povo unido e decidido
De fraco passou a forte
E olhou para a bandeira
Jurou até a morte
Esperando pela sorte
Pedindo ao Senhor
Paz e Amor
Coro “uouuuuuuuuuuuuo”
Essa canção abriu as portas para mais 15 canções. Também fizemos "alguns jingles" nascidos da parceria de Paulo Roberto Santiago (Sant.'s) e Luiz Carlos Marques (Luigy) ou ainda Sant'/Louis no período de 71 e 72.