Viajava pelo interior e olhava os campos amarelecidos pela seca, como aquelas velhas cartas que a gente guarda com carinho, quando minha atenção foi despertada por conhecida música que tocava no rádio do carro – Gente Humilde – de Chico e Vinicius, cantada à capela pelos extraordinários Titulares do Ritmo. Para escutar tal preciosidade, dirigi-me ao acostamento à sombra de imenso cinamomo e fiquei ali empolgado pela arte daqueles rapazes.
O conjunto integrado por cegos foi fundado em 1941 em Minas Gerais. O líder do grupo é o Chico, Francisco Nepomucemo de Oliveira, cantor, compositor, arranjador e violonista, nascido no Ceará. Os outros integrantes: Geraldo, do Ceará, cantor e violonista; Domingos, de Minas Gerais, cantor e violonista; João Cândido, cantor, de Minas Gerais; Joaquim Alves, da Bahia, cantor e Sóter Cordeiro de Minas, cantor.
Chegaram a São Paulo em 1948 e se apresentavam na Rádio Gazeta. Passaram ainda pelas rádios Record, Bandeirantes e Tupi, com programas exclusivos. As ricas harmonizações e a sofisticada vocalização do grupo logo chamaram atenção e despertaram o interesse dos apreciadores da boa música. Atingiram o auge da carreira nas décadas de 50 – 60. O primeiro sucesso foi "Não Põe a Mão". Em 1958 tornaram-se conhecidos em todo o país com "A Taça do Mundo é Nossa", alusiva ao campeonato mundial levantado pelo Brasil na Suécia e hoje verdadeiro hino da seleção brasileira. Em 1960 gravaram "Hino a São Paulo". Com sua imensa versatilidade gravaram um LP em homenagem ao famoso conjunto Bando da Lua, que brilhou ao lado de Carmem Miranda nos Estados Unidos. Numa época em que a música americana dava as cartas no país gravaram também três LPs com o nome de The Playings, interpretando os grandes sucessos daquele país, LPs hoje disputadíssimos no mercado fonográfico. Se você tem algum disco dos The Playings e julga tratar-se de um grande conjunto americano, errou. São os nossos queridos Titulares do Ritmo.
Com o passar do tempo foram sendo esquecidos e dedicavam-se a cantar jingles e a acompanhar os grandes intérpretes, enriquecendo tais gravações com seu talento. Com a explosão dos grupos de pagodes e com a ascensão da música sertaneja, Os Titulares, lamentavelmente, caíram no ostracismo. Não há mais lugar para a música de qualidade, para os arranjos espetaculares e a classe do extraordinário sexteto. O mau gosto se impõe para nossa tristeza e amargura. Vivemos, como diria o saudoso Stanislaw Ponte Preta, a época da exaltação à mediocridade.
Sou apenas um ocasional ouvinte de rádio e, às vezes, um insatisfeito e rabugento telespectador, e, há muito tempo, em nenhum desses órgãos de comunicação tenho visto ou ouvido Os Titulares. Não sei se ainda estão em atividade. Qualquer informação será bem vinda.
Deixo aqui minha modesta homenagem a esses bravos rapazes imortalizados em centenas de gravações, que se ouve com renovado prazer, seja no caótico trânsito das grandes cidades ou à sombra de centenária árvore à beira de uma tranquila estrada do interior.
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