Tijolinho

É prazeroso compartilhar das memórias paulistanas encaminhadas para o site. Por menos significativa que seja, qualquer narrativa é como que um tijolinho de um "monumento" em prol do passado de nossa ilustre Paulicéia. Saudável de exercitar.

Assim, no afã de cimentar (mais) um tijolinho, vasculho meu "departamento" de lembranças e reúno algumas delas, acerca de um lugar de Vila Mariana.

Bem defronte minha modesta casa – cujo quintal delimita com enorme chácara (anos 50) – começa a Rua Caravelas. Que é perpendicular a José Antônio Coelho, ali, no começo, fazendo um pequeno "cotovelo", para depois descer, reta, até perto do Dante Pazzanese. O qual, à época, não existia. A Caravelas terminava num trecho de terra, onde hoje as Avenidas Pedro Álvares Cabral e 23 de Maio deságuam seus milhares de veículos. Àquela época, aquele trecho e mais o começo da Rua Curitiba, tudo era campo de futebol de várzea. Só casas – térreas e sobrados -, nenhum predião.

Tempos em que o (lindo) bairro contava com duas linhas, com seu próprio nome: o ônibus 11 e o bonde 27, ambos Vila Mariana. Além do ônibus 48 – Paraíso, cujo ponto final era ao lado da Caravelas, para ressaltar. Por que "Caravelas"? Certamente devido à presença daquela que deve ter sido, sem exagero, uma das maiores fábricas da Paulicéia: a "Estamparia Caravelas". Da qual me lembro de fabricar tubos para creme dental.

Lembro-me vagamente de vizinhos que prestavam pequenos servicinhos (lógico, remunerados), como, por exemplo, em suas próprias residências, colocarem uma pequena cortiça (algo assim), no fundo da tampinha (plástica) do creme dental – como vedação, dá para entender?
Eu via as pessoas entrando e saindo da gigantesca fábrica com aquelas caixas de madeira que transportavam milhares de tampinhas, talvez.

A fabricona (cujo prédio ainda resta em pé!) era imponente. Era avistada de longe, dada a ausência de edifícios que lhe obstruíssem a imponência. Ocupava quase que todo um quarteirão da José Antônio Coelho. Já na Caravelas, os escritórios. À hora do almoço, os operários – de macacões de brim – faziam um futebolzinho, ali no "cotovelo", ao lado do bar do Sr. Varanda, que morreu assassinado, no qual (bar) vários deles almoçavam.

Rua Caravelas. Uma das poucas pavimentadas de asfalto – vez que quase todas eram de paralelepípedos (cinzentos ou róseos). Em cujo asfalto nós, a molecada da época, andávamos de carrinho de rolamentos ou jogávamos taco – aquele joguinho que, num só tempo, lembra o beisebol e nada tem a ver! Era a certeza da vinda da "rádio-patrulha", aqueles fusquinhas preto-e-branco, tripulados por guardas-civis…

Caravelas da padaria do Sr. Carmelo na qual, quando o orçamento permitia, minha mãe comprava (com caderneta, as ancestrais do crediário) um delicioso – e gorduroso – "pão-de-torresmo".

Caravelas, onde desemboca – também ali no princípio – a então Travessa Meruípe, que a unia a Pelotas. Interessante que, nos anos 50 e 60, as placas indicativas de "travessa" eram vermelhas, e não azuis, como as de "rua" e "avenida". Por quê? Quem sabe elucidar? Rua Caravelas, cuja uma travessa tinha um nome – "Timbuhy" – depois (explicável, mas injustificável) trocado… Por que os moradores aceitaram?

Fica assim, então. É só uma historinha "nada de mais". Tomara que, como "tijolinho", venha a contribuir – por pouco que seja – para "sustentar" um pouco da memória paulistana. Afinal, de uma Vila Mariana tão diferente e tão idêntica – dependendo do que seja enquadrado – dos dias da atualidade.

Vila Mariana: pedaço privilegiado de São Paulo, sem dúvida.

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