No meio da década de 60, eu com mais ou menos 16/17 anos namorava, e minha namorada morava na Mooca, mais precisamente na Rua São Rafael (atrás da igreja do mesmo nome), e em vista das circunstâncias, somente tinha dinheiro para ir de ônibus. Em razão disto, e tendo que escolher "ir" ou "voltar" de ônibus, apaixonado que era, escolhia "ir" para chegar mais rápido, e "tomava" o trolleibus na Rua Piratininga, que era próxima à rua em que eu morava (Professor Batista de Andrade), e descia no início da Avenida Paes de Barros.
Naquela época lembro-me que trabalhava no centro, na Rua do Tesouro, e ia a pé do Braz ao centro, e fazia também o percurso de volta igualmente a pé. O que logicamente não era exercício, mas sim falta de dinheiro.
Por isso posso aqui discorrer sobre o trajeto que fazia todos os dias, tanto durante o dia quanto da noite. Morava no final da rua, e como não só amava o meu velho e querido Braz, amava também as pessoas que lá moravam.
Digo isso porque verdadeiramente precisava acordar mais cedo, porque só para fazer o percurso de minha casa até a avenida, aproximadamente uns 400 metros, levava de meia a uma hora.
Tudo dependia de quem estaria na porta, aí parava, conversava, às vezes até tomava mais um cafezinho com alguém, cumprimentava um ou outro morador, papo aqui ou ali, até chegar na Avenida Rangel Pestana. Caminhava do lado esquerdo, sentido centro, passava dentre outras pela loja de confecção do grego "costas", Constantinos Mastrodonakis, ia adiante e passava em frente ao Banco Real do Estado de Minas Gerais, atravessava a Caetano Pinto, aproveitava o farol e ia para o outro lado da avenida, cumprimentava o pessoal da loja de automóveis "Lancaster", e seguia até o Parque Dom Pedro. Atravessava a ponte e subia a ladeira, passava pelas lojas onde hoje é o tribunal de contas do município, passava em frente à loja de carimbos, admirava a fachada da Igreja do Carmo em frente, e pronto, estava diante da loja de sapatos Clóvis, esquina da Praça Clovis Bevilaqua.
Seguia para a Rua do Tesouro, sem antes passar ao lado da Doceria Pão de Açúcar, atravessar a praça e andar alguns metros da Rua Direita, e pronto, estava no prédio em que trabalhava.
Durante a hora do almoço, alguns dias ia jogar bilhar no Bandeirantes, em outros ia passear e ver as vitrines do centro, ou comer um sanduba com suco na Casa Califórnia, ou observar os animais na vitrine da Casa Orestes, vez ou outra saboreava os pasteis da Pastelaria Modelo, esquina da Sé com Barão de Paranapiacaba, comprar quando podia uma "ricota no argenzio", ou simplesmente sentar em algum banco na Praça da Sé ou Clovis e observar as pessoas passarem.
Dificilmente quando chovia me molhava, porque conhecia todos os caminhos entre os prédios ou sob os prédios (galerias) que atravessava e saía em outra rua, e isso facilitava minha caminhada durante a hora do almoço.
O caminho de volta era o mesmo, só que voltava pela avenida do lado direito de quem vai no sentido bairro, e já do início da avenida "vislumbrava" o meu querido Braz. Só que em vez de entrar na Rua Professor Batista, ia até a Piratininga e entrava na Campos Salles e ia direto para casa.
Como relatei no início, à noite ia de ônibus até a Mooca e, "acreditem se quiserem", voltava não só a pé como vinha pela linha de trem desde a Rua da Mooca até a Rua Visconde de Parnaíba, seguia até a Piratininga, pegava a Campos Salles, marcava o "ponto" no Bar do Valdomiro.
Vocês devem estar se perguntando, e daí? Daí eu explico: com tudo isso que relatei, e ainda com a incrível volta que fazia pelos trilhos, em plena noite, no breu da noite, nunca me aconteceu nada, parem para pensar, nunca fui assaltado, nunca fui parado por alguém, nunca soube que alguém tivesse sido vitima de alguma violência. Admito que possa ser até uma exceção.
Quando digo que antigamente era quase tudo diferente, mato a cobra e mostro o pau. Alguém dirá “mas hoje a população é maior”, eu respondo: tudo é relativo, e proporcionalmente era igual. As pessoas é que eram diferentes, nossa preocupação era trabalhar, estudar e se divertir. Não era ter mais do que era necessário, dávamos mais valor para o que tínhamos e não para o que não tínhamos, éramos sonhadores, sonhávamos também em sermos bem sucedidos, nos espelhávamos em quem obtinha sucesso com honestidade, trabalho, não como hoje, que "ter" é mais importante que "ser".
Por isso hoje se usa de qualquer expediente (corrupção, roubo, violência, tráfico), caminhos mais fáceis para se "ter".
Desculpem, às vezes torno-me repetitivo, mais a cada dia que passa vejo mais preocupação em "ter", em detrimento do "ser".
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