Vamos retroagir a sete de julho de 1998, uma terça-feira. O Brasil se preparava para mais uma vitória na Copa do Mundo. Lá na França, o Brasil ia disputar a semifinal. Nosso adversário era a temida "Laranja Mecânica", uma equipe que apresentava um futebol alegre, muito parecido com o nosso: irreverente, cheio de ginga e jogadas de efeito.
Logo pela manhã, o visual das ruas da capital, onde me encontrava, era de festa. As pessoas se movimentavam de forma agitada, procurando resolver os problemas do dia-a-dia, para depois encerrar o expediente e cada um procurar uma "telinha" para curtir a nossa seleção.<br><br>O trânsito apresentava um congestionamento de mais de cem quilômetros, mas nem por isso os motoristas deixavam de transparecer alegria. Bandeirolas, faixas, fitas que, de alguma maneira, reverenciavam as corres de nossa bandeira, enfeitavam os prédios, as lojas, os carros. As pessoas, quer fossem adultos, velhos ou crianças, cada qual se irmanando numa corrente positiva, confiante no penta.
E eu, onde estava? Tomei o metrô, saltei na rodoviária do Tietê e ali tomei um ônibus, na esperança de chegar a minha cidade a tempo de me juntar aos 150 milhões de brasileiros, em frente da TV.
Durante a viagem, dei asas a minha imaginação e comecei a relembrar os meus tempos de "peladas", jogadas no meio da rua. Outras vezes, no campinho que havia em frente ao cemitério ou num terreno baldio qualquer, já que naqueles tempos, nos arrabaldes, em cada quarteirão, sempre tinha um terreno que se transformava num "Pacaembu virtual". O campo não tinha limites; ou melhor, o jogo só era paralisado quando a bola era atirada além da cerca ou do muro que separava o campo da casa do vizinho.
Não havia regras fixas, mas algumas tinham que ser respeitadas: quem chutava a bola longe tinha que ir buscá-la. Ah… e quando a bola quebrava algum objeto, ou carimbava as peças de roupa que estavam no varal do quintal do vizinho? O morador apanhava a bola, além de dar uma raspança na molecada, ainda retinha a bola. Depois de muita conversa e de muita promessa que não ia mais cair do lado de lá, a bola retornava, para alegria de todos.
E o gol? Duas pedras ou pedaços de madeira, colocados no chão, representavam as traves imaginárias. As discussões se sucediam: se a bola entrou ou se foi por cima da trave superior que não existia, ou melhor, só existia na nossa imaginação. Outro ponto que dava margem a muita discussão: se a entrada do adversário foi ou não faltosa. A dúvida era dirimida pela intensidade da dor causada pela violência da entrada, isto é, produzida pelo choque. Se não doía, não era falta. E a duração do jogo? Era ilimitada. Se prolongava até a escuridão não permitir mais que se visse a bola.
O time vencedor era aquele que conseguia atingir primeiro o número de gols estabelecido. Exemplo: "quem fizer primeiro dez gols, ganha".
Quando acordei desse sonho, que me proporcionou uma regressão aos meus tempos felizes e alegres da minha infância, o ônibus já tinha percorrido metade da distância, visto que a viagem teve uma duração além do tempo previsto e, consequentemente, não tive condições de assistir ao jogo pela magia da tecnologia eletrônica, representada pela televisão.
Ah!!! "Garrei a cunversá" e me esqueci de fazer a conclusão da minha viagem. Quando o ônibus ia chegando, pude presenciar pela janela a carreata com as bandeiras desfraldadas e os torcedores felizes, cantando e gritando: "Tafarel…, Tafare e e e l ! ! !", expressando a alegria de um povo que, pelo menos por alguns momentos, consegue esquecer suas agruras.
Só quando chequei em casa é que fui entender porque os torcedores saudavam o nome do nosso goleiro: a decisão foi para os pênaltis e Tafarel defendeu dois, eliminando a Holanda.
No domingo seguinte, disputamos a finalíssima com os donos da casa, a França. Você se lembra qual foi o resultado? E o que aconteceu com o "Fenômeno"? E quem marcou os gols? Mas isto é motivo para outra "estória". Ah!!! E você, onde estava? E qual foi a sua reação, amigo internauta?
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