Simplesmente amigo

Ele chegou a São Paulo há nove anos em companhia de meu filho mais velho o Fernando. Foi conquistando a amizade de todos em casa, principalmente das meninas Juliana e Beatriz e acredito que até mesmo minha esposa Paula acabou acostumando-se a sua constante presença como se já fosse da família.

Eu a princípio fiquei um tanto preocupado com a facilidade com que ele conquistava a todos e ia aos poucos tomando liberdade e ficando cada vez mais à vontade em nossa casa como se fosse um de nós e por vezes como se fosse o próprio dono do pedaço.

De nome tão comum, que provavelmente fora uma homenagem a Machado de Assis, Quincas aos poucos foi me conquistando e já não podia eu imaginar nossa família sem a presença dele.

Aos poucos meus filhos foram ganhando maturidade e independência. Primeiro o Fernando, depois a Juliana e, por fim, a Beatriz, que foi morar na Austrália. Todos acabaram saindo de nossa casa e agora além de Paula e eu, quem mais está presente é o nosso amigo Quincas, que mesmo sem a presença de seus amigos originais, meus filhos, agora realmente já era parte da família.

Sempre que Paula e eu íamos para a casa na praia ou para o sítio, ele de pronto já se convidava e era o primeiro a estar com suas coisas prontas para a viagem, pois sua mala era sempre simples como ele, apenas a roupa do corpo e um colchonete que certamente ajeitaria em algum canto de nosso destino.

Nunca foi muito de falar e sim sempre foi um exemplo em ouvir. Quincas tinha (e tem) uma enorme capacidade de escutar e não interromper os interlocutores. Fica focado com o olho arregalado em quem está falando para saborear cada som emitido principalmente por aqueles de quem gosta. Aos poucos, quem sabe pela distância de meus filhos, fui apegando-me cada vez mais a ele e a recíproca neste caso foi uma verdade inconteste.

Nossa amizade ficou mais acentuada quando sofri um pequeno acidente e fraturei a bacia, o punho e o ombro. Tive que ficar imobilizado por três meses e durante todo este período ele esteve ao meu lado, escutando meus lamentos, blasfêmias e inconformismo com minha situação. Não arredou pé do meu quarto onde ficava, sentado ao pé da cama, sem dizer uma única palavra, apenas me passando a sensação de que estava ali para o que desse e viesse. Amigos daqueles que não perguntam se você quer ou não sua presença, pois estão certos de que apenas ela já é um conforto para você.

Quando comecei a me mover com a ajuda de um par de muletas e depois com uma bengala, ele me incentivou a sair para a rua do bairro do Campo Belo sempre andando em passos lentos ao meu lado e atento para que eu caminhasse com segurança. Inicialmente dávamos a volta no quarteirão da Gabriele com a Rua Princesa Isabel, Edson e retornávamos pela Rua Barão do Triunfo até nosso apartamento. À medida que melhorava fomos incluindo novos quarteirões do bairro em nosso passeio diário até o momento em que abandonei a bengala e passei a caminhar normalmente apenas com a ajuda do amigo Quincas.

Como a vida dá suas voltas, chegou o dia de retribuir tanta amizade. Meu amigo ficou doente e os médicos, até mesmo os especialistas da Universidade de São Paulo conseguiam um diagnóstico confiável. Quincas passou a ter diarréia crônica e perder muito sangue pelas fezes. Aos poucos suas costelas já podiam ser visivelmente contadas, seu olhar perdera o brilho e ele a disposição de viver.

Não podia aceitar aquela situação, não importa quanto teria de gastar, pois meu amigo nunca fora preocupado com aspectos financeiros, trabalhar não era para ele, muito menos pagar um plano de saúde.

A esta altura ele já era um filho para mim, aquele que ainda estava em casa. Fomos a inúmeros médicos e clínicas especializadas, exames de todo tipo foram realizados e concluiu-se que para um melhor diagnóstico ele deveria passar por uma cirurgia, para retirada de um pedaço do intestino a ser submetido a uma biopsia.

Antes de partirmos para esta intervenção mais drástica, resolvi iniciar um trabalho de pesquisa via internet sobre o quadro apresentado por ele. Depois de muita pesquisa, que somada às opiniões dos especialistas por onde passamos e aos resultados todos negativos dos exames desconfiei que ele tivesse alergia por algum tipo de alimentação.

Pedi a opinião da Paula e decidimos fazer um teste juntamente com a anuência do Quincas em tentar um regime alimentar antes de partir para a cirurgia. Fomos cortando a carne vermelha, embutidos, temperos mais fortes, por fim sua alimentação ficou restrita a arroz integral carne de frango, legumes frescos e frutas não ácidas. Com esta Dieta ele foi melhorando, parou de perder sangue, curou-se da diarréia crônica e ganhou peso.

Hoje meu amigo tem uma vida normal e saudável e no ano passado dei uma de Santo Antonio e arrumei pela internet uma namorada para ele. Este namoro saiu do virtual e após alguns encontros com a namorada tivemos uma notícia. Quincas seria pai e, por tabela, Paula e eu seriamos “avós postiços”.

Nasceram cinco lindos cachorrinhos, todos iguaizinhos ao Quincas Borba, porém ele separou-se da namorada, nunca mais viu seus filhotes e continua em minha casa onde passa o dia todo à espera de eu retornar do trabalho para me receber à porta com festa e uma grande lambida. Grande abraço Amigão, você é o cara.

Quincas Borba o nome de batismo de meu amigo que fora dado por meu filho Fernando em homenagem ao Quincas Borba, cachorro de Quincas Borba um personagem de Machado de Assis.

Este ano no dia 8/12/2011 Quincas completará 9 anos de idade e este texto é um presente que dedico a ele.

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