Saudades de Minha Escola – Itaquera

Um bando de crianças, meninos e meninas. Eles ainda de estilingue e bolinhas nos bolsos, e elas sem saber com quem deixar as bonecas. A meta era entrar na escola estadual, sinônimo de qualidade e garantia de um bom estudo, sem falar que a custo zero. Para aqueles que não conseguissem êxito, restava o desconforto de ir para uma escola particular. (Bons tempos aqueles).

Certeza de passar na admissão ao Ginásio Estadual Professora Emília de Paiva Meira se tinha, somente, se fizesse o cursinho de admissão da Dona Anita, ou da Dona Maria Japonesa. Aquilo tudo era muito diferente para nós, muito diferente de nossas experiências no Grupo Escolar que, para muitos, foi o Alvarez de Azevedo.

O primeiro dia de aula. Em que classe vou ficar? Será que meus amigos estarão na mesma classe? E agora, o professor, não mais um serão vários. Como serão eles? Reinaldo, Jacob, Mercedes, Benedito, Américo, Orlando, Iolanda, Maria Emília, Miriam, Valquíria e o diretor cara de bravo! Falava cuspindo, esbravejava e adorava fazer um discurso. Seu Luiz Perroni, um abnegado pelo Emília e por nós.

O professor de francês – sim, tínhamos francês –, Sr. Zezinho, o Lê Petit. Como poderia me esquecer do Sr. Mário, o ajudante geral, a orientadora, Dona Ana, e tantos outros. Um universo novo e imenso estava se abrindo para nós.

Fiquei na 1ª. G, inimiga número um da 1ª. H nas disputas de debate de geografia; porém, perdíamos todas no futebol. Nossa classe era de alvenaria e ficava bem defronte à lanchonete. A 1ª. F e outras eram nas classes de madeira.

Classes de madeira com buraco no assoalho, por onde os meninos ficavam no intervalo, olhando as pernas das meninas e de algumas professoras. Naquela época, nós, meninos, ainda não pensávamos tanto nas meninas, e estávamos sempre mais preocupados em aprontar alguma ou jogar campeonato de tampinha na quadra. Lembro-me da tijolada que o Montório (Balarmino) deu na cabeça do Orlando Valone, ali na entrada da escola, onde havia os tanques e o poço. O Valone ficou com o pescoço torto até hoje.

No primeiro ano, não tínhamos ainda a quadra, e nossas aulas de educação física, do Professor José Carlos, eram dadas no campo do Elite. Ele dava uma bola para jogarmos e aparecia no fim da tarde para pegá-la. No final da aula, nós mergulhávamos no rio Leard, na trave de baixo do campo.
E as meninas? Naquele primeiro ano, elas eram umas chatas que viviam apaixonadas por alguns professores e por meninos mais velhos do quarto ano.

Passaram-se os primeiros anos e um novo mundo nos fora apresentado – se bem que por uma luneta distorcida pelo crivo do militarismo, que havia tomado conta do Brasil. Nós fomos a geração desinformada politicamente e, provavelmente, o que vivemos hoje, com os desmandos de nossos governantes, é puro reflexo da falta de cultura política.

Tem algo novo acontecendo, não é metamorfose; porém, as meninas estão ficando diferentes: pernas mais grossas e com desenho insinuante, seios imponentes e bem guardados. Que estilingue que nada! Tem coisa mais interessante neste mundão de Deus.

Quanta paquera, quanto namorico, quanto amor platônico que, naquele tempo, era uma forma deliciosa de sofrer. A formatura, final de um grande início. O Baile, a orquestra, os penteados das meninas e as gravatas dos garotos, os padrinhos e madrinhas, momento marcado para sempre em minhas lembranças.

O prédio novo, orgulho do Seu Luiz, que agora não mais cuspia, mas sim babava de orgulho com sua nova escola, Colégio Estadual Professora Emília de Paiva Meira. Tudo novo, prédio, carteiras, quadra, professores. Bonjorno, Calmom, Fonseca, Leocádio e tantos outros.

A turma foi dividida, pois alguns tiveram que trabalhar e passaram a estudar durante a noite, que foi o meu caso. O colegial foi duro. Alguns experimentaram a perda de um ano, outros desistiram, outros mudaram para escolas particulares.
Agora curtíamos muito uns aos outros, e as turminhas foram se formando para os bailinhos com vitrola portátil e disco de vinil. Que delícia! Essa, provavelmente, foi uma das mais belas fases de nossas vidas.

No último ano de colégio, a escola já apresentava os primeiros sinais de deterioração do estudo público, que hoje é uma realidade.

Ali, ao término do colegial, uma nova fase brotava na vida de cada um. Foi o fim de um grupo, de uma geração de sonhadores, e o início de vidas, que caminharam por estradas totalmente diferentes, e que levaram cada um de nós a destinos pessoais.
Tivemos a anistia, elegemos um presidente, depusemos outro, fomos pentacampeões mundiais de futebol.

Muitos de nós perdemos os avós, os pais, irmãos. Casamos, tivemos filhos e, alguns felizardos, até netos. O reencontro certamente veio ocupar um vazio que havia formado em nossas vidas, mas que estava ali, martelando o tempo todo. Onde eles estão? Como foi a vida deles? Sentimos falta uns dos outros, de falar não apenas sobre nossas vidas atuais, mas, principalmente, recordar os momentos de felicidade que curtimos juntos. Poder relembrar coisas que somente são possíveis de serem relembradas entre nós.

O túnel do tempo. Foi esta a minha sensação ao ver aqueles senhores carecas e barrigudos, que se diziam serem fulano ou beltrano. Ver as meninas, estas sim continuam sendo meninas, e serão nossas eternas meninas. Alguns segundos após o reencontro e as reapresentações, eu já não via mais a imagem atual de nossos colegas, e sim a imagem que trazia na lembrança deles jovens, nos anos 60.

Recordar é viver, e hoje eu sonhei com vocês.

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