Santa Teresinha e Chora Menino

Hoje desentulhei algumas fotografias amarelada, agora já esquecidas e pré-julgadas, por uma respeitável distância no tempo, cinquenta anos passados, do álbum de recordações da família, e me detive a examiná-las cuidadosamente e lembrei-me dos mais atribulados momentos da nossa história sobre os últimos lampejos da nossa antiga e querida São Paulo.

E foi com essa sensação de novidade, especialmente sobre os bairros estrangeiros que na época começavam a se formar por todos os cantos da cidade, é que resolvi escrever sobre alguns deles. Então essa cidade existiu de fato? Sim, ela existiu. Olhei especialmente para uma fotografia já descorada, desgastada pelo tempo e pelo uso e pensei nos seus habitantes tão afeiçoados a esta cidade, pelas origens e costumes, elegendo a vontade os seus quarteirões e circunscrevendo-se e colorindo o chão desta São Paulo de Piratininga como se eles fossem uma extensa continuação do mapa do mundo.

Aqui, visto através do terraço de um pequeno sobrado na Rua Conselheiro Moreira de Barros, próximo ao largo ladeado por um grande morro de terra vermelha onde ali existia ainda a antiga estação Tramway da Cantareira. Exatamente lá nascia e crescia e se desmembrava o bairro de Santa Teresinha. E, foi com uma justa homenagem a Teresa de Lisieux uma religiosa carmelita francesa, conhecida por Santa Teresa do Menino Jesus que o bairro foi batizado.

Quando da exposição dessa foto descorada pelo tempo, ali ainda era um aglomerado de pequenas chácaras e sítios. Lá possuía um solo fértil e fazia parte de uma grande fazenda. E a região era constantemente tomada pelas inundações da várzea do Tietê. Quando meu avô por lá se instalou por volta de 1910, ali era ainda um pequeno vilarejo da zona norte de São Paulo, pertencente ao subdistrito de Santana. Na época, estavam surgindo alguns loteamentos e núcleos populares na região.

Um desses núcleos nos altos de Santana, precisamente o de Santa Teresinha pertencente à inspetoria norte Salesiana, havia uma pequena estrutura construída pelos Salesianos denominada de chácara dos padres para que os alunos frequentassem e brincassem num ambiente sadio e de muito ar puro, pois muitos deles ainda convalesciam da grande epidemia de gripe espanhola de 1918.

Foi ali também, que o pequeno núcleo de habitantes do Chora Menino nasceu, ao longo de uma estrada em torno do cemitério de Santana como era chamado antigamente e que fora inaugurado em 1897. As terras ali existentes, até então, se denominavam Capão das Cobras.

Nos primeiros anos, era apenas uma pequena vila, com algumas casas, longe do Vale de Santana, local de propriedades rurais das famílias de portugueses que ali se instalaram para cultivar flores e verduras que eram vendidas no mercado Central. Naquela época, havia na região uma superstição branca. Em quase todas as casas tinha quase sempre uma ferradura pregada entre à porta e a janela.

Dizia-se que gravitam na alma campônio da grande família de portugueses que ali habitavam lendas imaginárias cheias de coisas assustadoras. Falava-se que ali existia um antigo chalé em ruínas onde se ouvia o choro de muitos meninos. Dizia-se também, na região, que lá morava uma mulher enrugada que atirava os recém nascidos enjeitados, para os urubus devorá-los. Ouvia-se quase sempre, durante as noites de lua cheia o choro e a lamuria dos espíritos dos meninos, e daqueles que morreram em conseqüência de uma grande epidemia de varíola que assolou a cidade de São Paulo.

Na zona norte, a doença se espalhou mais rapidamente entre as crianças e os jovens. Daí então, a região ficou conhecida por Chora Menino, por haver no bairro um cemitério onde várias crianças foram enterradas por terem contraído também a terrível moléstia e seus pais e familiares chorarem os seus mortos. Talvez pelo estigma de o bairro estar ligado a doença, em 1933 os moradores tiveram a idéias de mudar o nome de uma parte do bairro de Chora Menino para Santa Teresinha.

Foi feito na ocasião um abaixo assinado circulando entre o povo da região. Os padres Quintilhano e Bruno conversaram com os responsáveis pela garagem de ônibus "de linha" e obtiveram autorização para afixar nos vidros dianteiros dos ônibus pequenos cartazes onde se lia Santa Terezinha com o topônimo com "z"e depois com a revisão da ortografia, convencionou-se que os nomes próprios com som de "z" no meio ou no final deles fossem grafados com "s".

Em 1934, a estação do Tramway da linha da Cantareira teve por tanto, o nome mudado para Santa Teresinha. Com o passar dos anos, o bairro cresceu, surgindo mais casas, inclusive a do velho sobrado próximo da estação da antiga Cantareira, na Rua Conselheiro Moreira de Barros onde em 1937 eu nasci, cresci e me criei. Hoje já não moro mais neste simpático bairro da zona norte de São Paulo, porém, guardo dele felizes recordações de um tempo distante, porém, sempre presente em minha vida.

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