Ruas da cidade e suas mudanças

Ruas da cidade e suas mudanças.
Coisa que se fez demais na cidade de São Paulo foi trocar os nomes das ruas, coisa que devia ser proibido. Somente as ruas, A, B ou C, ou com placas indicativas por números, deveriam ter novas denominações.

Quanta saudade ficou para mim, e outros moradores do Itaim Bibi, dos nomes de mulheres, como Amélia, que teve seu nome mudado para Dr. Alceu de Campos Rodrigues, nome do diretor médico do Hospital São Luiz. Heloisa ficou sendo Eduardo de Souza Aranha, que depois de ser canalizado o córrego do sapateiro, coincidiu com a morte do presidente Juscelino Kubistchek e passou a ter esse nome. A Rua Antonieta ficou sendo Miguel Calfat. A Rua Norma cedeu seu nome para o Fadlo Aidar.

Para não dizer que homenagearam só os homens com tais mudanças, a Rua Firmino Ladeira cedeu seu nome há uma mulher, Justina, uma Santa.

Mas coisa estranha foi transportar o nome da rua de um bairro para outro. Foi o caso da Rua Coronel Camisão da Vila Olímpia, para a Vila Mariana. Gente, o coronel estava tão bem na nossa Vila Olímpia, por que fizeram isso com ele? Expulsaram-no do bairro! Enchíamos a boca quando falávamos o nome do Coronel Camisão. Ao pronunciar tal nome, parece que estávamos visualizando ele com uma ceroula ou um camisão até o joelho. Mas alguém achou que a Vila Olímpia não poderia ter um militar muito esportivo e a Vila ficou sem ele; o transportaram para a Vila Mariana, próximo à Saúde. Na rua que levava seu nome, colocaram a placa de Rua Professor Waia de Abreu.

Fizeram também a mudança da Rua Coronel Joaquim Ferreira Lobo, da Vila Olímpia, para o Itaim. Trocaram-no pelo Dr. Cardoso de Mello, ex-político que foi interventor "governador" de São Paulo em 1937, durante o período do Estado Novo da ditadura Vargas. Já o nome do militar Joaquim Ferreira Lobo foi transportado para o bairro do Itaim, no lugar do nome Rua Araraquara, que homenageava a cidade do estado de São Paulo.

Esse negócio de mudar ou transportar ruas de lugar para outro é coisa antiga. Agora, lendo o artigo de José de Souza Martins, no jornal O Estado de São Paulo (21/12/2009), vejo que mudaram também o início da Ladeira Porto Geral. Como escreveu o articulista, foi no longínquo século XVIII. Naquele tempo, a ladeira não começava na Rua Boa Vista, e sim, no Largo São Bento e ia dar no Rio Tamanduateí, que passava por onde hoje é a Rua 25 de Março. Na entrada dela havia um Portal Barroco monumental, como em cidades portuguesas de então. Ali Atracavam as embarcações do Mosteiro que vinham das três fazendas Beneditinas da cabeceira e da foz do atual Rio dos meninos. Na cabeceira, as fazendas Jurubatuba e São Bernardo. Na foz, atravessada pelo rio, que aí desaguava em delta, a fazenda de São Caetano do Tijucuçu. No tempo da seca, os produtos eram transportados em dois barcos pequenos de meia carga. Na cheia era usado um barco grande, de 10 metros de comprimento, tanto no transporte de madeiras, verduras, azeite de amendoim, farinha e feijão, quanto no dos produtos da indústria que os monges mantiveram em São Caetano de 1730 ate 1871, quando libertaram os escravos, 17 anos antes da Lei Áurea. Era uma grande fábrica de materiais cerâmicos, com três fornos, para a queima de tijolos, telhas, telhões para canaletas de água, e também cerâmica utilitária vidrada, como pratos, alguidares, panelas e potes.

No próprio século XVIII, um mestre de cerâmica foi contratado pelos monges para ensinar sua arte aos meninos escravos da fazenda. O mosteiro teve, no Porto Geral, um armazém para produtos desembarcados. Sua cerâmica era usada na reforma de suas casas de aluguel, da igreja e do mosteiro. Mas boa parte da produção era vendida e era essa sua principal fonte de renda. Telhas da fábrica foram usadas numa reforma do palácio do capitão-General em 1792, no Pátio do Colégio, e no convento de São Francisco. Há registro de esmola de telhas para o recolhimento de santa Teresa, na Sé.

Em 12 de Outubro de 1825, o tenente coronel engenheiro José Antônio Teixeira Cabral embarcou no porto de São Caetano, ruma à foz do rio, no Tietê, 19 km abaixo, para fazer uma verificação geral de seu leito e descobriu que havia profundidade de 1,20 a 4 metros. O nível das águas vinha oscilando desde o século XVIII. Ora muita, ora pouca, devido ao desmatamento nas margens, com implicações na navegação. Em 1763, um dos barcos do mosteiro naufragara, levando ao fundo toda a carga de telhas.

Nesse mesmo ano, um barco levou escravos de São Caetano, para pagar promessa na Igreja de Nossa senhora do Ó, em romaria dirigida pelo índio administrador Marcos Bueno da Conceição, feitor dos escravos. Na ida e na volta, uma semana depois, fizeram parada no Porto Geral para merenda no Mosteiro. Promessas para santa tão distante eram justa manha para viajar, folgar e atenuar o cativeiro.

Esta é uma grande lembrança da rica história da cidade de São Paulo.

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