Rua Silva Jardim, 97

Bem, vocês já sabem que em 1976 eu e meus pais retornamos a São Paulo. Eu tinha na época seis anos e fui morar no bairro do Belém. Meu pai na sua juventude trabalhava na Goodyear e morava em um bairro muito distante chamado Engenheiro Goulart. Ele dizia que pegava o bonde e desembarcava no Belém e sempre dizia que um dia moraria lá. E assim foi feito. O primeiro bairro em que ele procurou um imóvel para alugar foi o Belém. Só não estava no projeto alugar um imóvel velho e sombrio. E foi lá que fomos parar. A Silva Jardim era uma rua totalmente comercial. Só havia um prédio em frente que tinha sete apartamentos residenciais. O número 97 era um prédio de dois andares.

No térreo funcionava uma boutique o Credi Amelia. No primeiro andar um consultório dentário e no segundo andar nós fomos morar. Era uma construção antiga. Até o primeiro andar era bem cuidadinho. As paredes brancas, um tapete tipo passarela cobria os degraus da escada. Quando pegávamos o acesso ao segundo andar o bicho pegava. Paredes verdes escura, nenhuma janela e consequentemente, nenhum sinal de iluminação natural. Uma porta enorme com uma fechadura estranha responsável pela quebra de muitas chaves. A sala era enorme comportava três ambientes. Uma sacadinha muito pequena era minha única visão de mundo.

Uma rua estranha, onde não havias crianças na rua, onde aposentei minha bicicleta e não tinha vizinhos da minha idade. Um apartamento enorme com apenas dois quartos. O primeiro era dos meus pais. O meu ficava bem lá no fundo. Para chegar lá atravessava um corredor enorme. Quando falávamos ouvíamos o eco da nossa voz pelo ar. Eu tinha medo daquele lugar. Não conseguia dormir sozinha. Só no quarto dos meus pais. A pintura antiga formava uns "desenhos" no teto e eu "via" rostos, cachorros, bois… (risos). Cobria o rosto com lençol por que aquilo me dava muito medo. Naquela época a linha leste-oeste do metrô começava a ser construída.

Da sacadinha da sala eu enxergava a "destruição" de algumas casas. Quando chegava mais perto era possível perceber que junto com aquelas casas algumas histórias também eram destruídas pelo progresso. Fotos, plantas, móveis eram misturados aos escombros. Achava aquela paisagem triste, apesar de não entender o porquê da minha tristeza. Tinha a fábrica do Café Seleto e inicialmente a sirene da fábrica também me causava estranheza. Mas, às 18h quando o sino da Igreja São José do Belém dava suas badaladas eu ouvia a Ave Maria. E aquele era para mim um momento único de magia e paz.

Meu pai na época trabalhava em Santa Catarina e naquele momento eu me sentia ao lado dele. O tempo passou e aquela casa começou a me assustar menos. Meu pai retornou a São Paulo. A situação foi ficando mais confortável e a casa começou a ganhar vida. Meus amigos do Externato São José enchiam as tardes daquela casa de barulho e alegria e surpreendentemente se lembram desse apartamento modesto com muita alegria. Acho que passamos lá grandes momentos da nossa infância.

Sempre tive vontade de entrar novamente naquele apartamento. Queria saber se ele era realmente tão grande e tão assustador como nas minhas lembranças da infância. Os ecos, os sons, os tempos, o Belém e os meus medos com certeza são outros. Nos dias atuais as assombrações já não nos causam medo. Prefiro me lembrar de um mundo que com certeza era bem mais amoroso, puro e cheio de magia. Rua Silva Jardim, 97… Quem diria que eu iria sentir tanta saudade.

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