Vila Prudente – festas juninas.
Lá pelos anos 50 toda São Paulo ainda comemorava, com alegria, as festas juninas.
A Vila Prudente, por ser afastada do centro da cidade, adquiria um caráter especial.
Em meados de maio, quando os céus outonais nos premiavam com um anil esplêndido, poucas vezes emoldurado com flocos esparsos de lampeiras nuvens brancas, alterando de forma em velocidade, que trotando sob a batuta dos ventos outonais do sul.
Brotavam ao mesmo tempo, como por uma conspiração combinada, silenciosa, os primeiros balões nos céus, principalmente nos fins de semana. Eram formosas lanternas mágicas, era o prenúncio da temporada, eram os balões precursores, silentes, a anunciar a proximidade das festas juninas.
Não importavam os seus formatos ou tamanhos, se eram os balões “almofada”, simples ou com faixa, ou talvez um balão “caixa”, não, não, pelo bambolear poderia ser talvez um balão “charuto”, ou mesmo “pião”, seria um “careca de padre”, talvez um “mexirica”, ou um balão “cruz”, era fácil de se reconhecer, mesmo à distância, ou seria um balão “Zepelim” que muitos chamavam curiosamente de “Santos Dumont”. Havia ainda os balões mais sofisticados, como o “estrela”, outros com formas de homens e animais.
Nada importava, a identificação era uma arte entre os garotos e, mesmo que a distância ou altitude não permitissem identificar, o que realmente valia era que eles estivessem lá nos céus.
O devaneio, o sonho de que, após cumprir a sua missão de embelezar a colorir o firmamento, ele se achegasse e, mansamente, pousasse próximo, para que, em uma leal disputa, nos premiasse com sua captura.
Espocavam timidamente os primeiros fogos, e a molecada já se deliciava com os sonhos, participava da ansiosa esperava pela época dos fogos, fogueiras e balões.
A Vila Prudente se situa em um vale, cercada de morrotes, em suaves escarpas por todos os lados. O único ponto mais alto era o morro da Capucheta, uma pequena elevação para os lados da Mooca e que se atingia subindo a Rua 20, mais tarde batizada como Rua Francisco de Haro Caparroz e, mais recentemente, após alargada, crismada como continuação da Avenida Paes de Barros. Passava-se pela Rua 8, hoje Rua Chamantá, se atingia a seguir a Rua 7, hoje Rua Ilansa (lindo nome, mas que ninguém sabe o que significa) e prosseguindo-se aí, já pelos fins da Paes de Barros até a Rua 6, hoje Rua Aparaju, se seguia por esta rua uns 200 metros e aí, estava singelo, sem pompas, iniciando em suave elevação, que servia de campo de futebol para as peladas dos sábados à tarde e aí, elevando-se de forma abrupta por cerca de quinze metros acima das ruas adjacentes, tendo no topo um platô circular plano com cerca de dez metros de diâmetro, que era o mirante, o ponto culminante de Vila Prudente, o morro da “Capucheta”, hoje, escalpado, perdeu sua beleza natural por meio de mãos insensíveis, destruído, transformando-se em imensa praça, achapada, sem graça, divida por homenagens, nas praças Visconde de Souza Fontes e praça Carlos Aliprandi.
O morro da Capucheta localizava-se num limbo, todos tinham sua própria opinião, discordava-se sempre. Para os moradores da Mooca diziam estar localizado no Parque da Mooca, e os de Vila Prudente logicamente o tratavam como seu. Era uma suave disputa, civilizada como de uso naqueles tempos, sem as estultices de hoje que, por muito menos, comunidades se identificam como inimigas.
O morro era um centro de convergência. Dele se podia avistar para o leste, os morros coroados pelas vilas Zelina Alpina e até parte de Vila Ema, e mesmo a Vila Paulina, um pouco à direita, mais ao longe, após o Tamanduateí, as encostas de todas as cidades santas, a saber, Caetano, Bernardo e André indo nos dia claros ao avistamento das encostas da serra do Mar.
Para o sul, continuando o giro para o sudoeste, o espigão do Ipiranga era o limite, sendo avistados mais ao longe alguns parcos pontos da Vila Mariana. E muito mais ao longe, sem se avistar a pista, é bem verdade, a rota descendente em aproximação final de Congonhas, onde se aninhavam os “Curtiss” e os “Douglas” das empresas aéreas.
Em continuidade ao giro chegava-se ao avistamento do Cambuci, passando-se pela região da Avenida Paulista, de onde pouco se via, pois suas mansões eram cercadas de árvores, e, mais à direita, finalmente o centro de São Paulo, onde encrespavam algumas dezenas de arranha céus pioneiros.
Para além do centro a fumaça das indústrias da Lapa servia de moldura para o pico do Jaraguá, e fechando o giro chegávamos a Mooca, de onde pouco se via além da caixa d´água, que como um guardião de um portal gigante era o limite de nossa curiosidade.
Logo abaixo, entre a Mooca e o morro da Capucheta, pairava a várzea descampada, coberta de “barba de bode”, e onde se via inúmeros campos de futebol próximos à linha férrea, e bem mais próximo, onde hoje se localiza o Juventus, o campo da Ponte Preta, um bom time da várzea paulistana da época.
Mas o mais importante era que, desta localização privilegiada, os garotos podiam avistar todos os balões, independentemente da direção do vento, e assim tentar adivinhar onde iriam aterrissar, para em boa pugna recuperá-los e, logicamente, voltar a soltá-los. À medida que se aproximavam os dias de Santos de junho maior era a quantidade de balões, e se durante o dia eram uma festa colorida nos céus, à noite eram estralas adicionais emoldurando ainda mais o claro firmamento, sem poluição daqueles tempos. Nas vésperas e nos dias santos, bem como nos fins de semana Intermediários, sem exagero, podia-se avistar ao mesmo tempo um par de centenas de balões, num contínuo subir e descer.
A cidade era outra, apesar da quantidade de balões, devido aos descampados, poucos eram os incêndios, não havia o temor que o crescimento da cidade impôs.
Era um tempo de êxtase para as crianças.
Nas vésperas e nos dias de Santo Antônio, São João, eram obrigatórias as fogueiras, e nas ruas sempre se viam pelo menos meia dúzia delas, onde se reuniam os vizinhos e amigos para jogar fora conversa, não faltando os doces típicos da época, como doce de batata doce cozida nas brasas da fogueira, paçoca, canjica, amendoim, milho cozido, e para os adultos o quentão.
Queimavam-se fogos coloridos, a gurizada soltava bombinhas de “um tostão” e traques, os buscapés eram propositalmente soltos no rés do chão para assustar as meninas.
Os garotos maiores queimavam “caramurus” e rojões, além de soltarem balões.
O ápice das festas era o dia de São Pedro, quando em geral havia uma só fogueira comunitária com a colaboração de todos os moradores da rua, e, para onde convergiam todos os vizinhos para um alegre encerramento das festas juninas do ano.
A cidade cresceu, recém-chegados trouxeram novos hábitos, os espaços foram se reduzindo, em nome do progresso os costumes foram esquecidos, os novos vizinhos deixaram de conviver em solidariedade, e assim chegamos a São Paulo de hoje, não sei se melhor, porém com certeza não tão gostosa, amiga e agradável como a daqueles tempos.
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