Relembrando antigos Natais

Aproximava-se o Natal de 1955.
Morava na Zona Norte de São Paulo, no bairro da Parada Inglesa, Tucuruvi

Recém entrado nos meus cinco aninhos, estava empolgado sobre o Papai Noel.
Em casa e na escolinha também, esse era o assunto que dominava.
Na rua este tema também acabou entrando na roda.
Eram tempos de simplicidade e de lutas.

Mas isso nada impedia cada um de nós de sonhar cada qual com seu imaginário.
Cada guri sonhava o seu sonho mais impossível.
Um queria ganhar um trenzinho, outro uma bola de futebol,
um outro um par de patins… Eu queria ganhar uma bicicleta.
Na roda cada um contava a sua vantagem.
A imaginação corria solta.

A cada dia aumentava o tamanho dos presentes conforme o desejo de cada um.

Naquela época, a gente não tinha idéia do tamanho da pobreza da maior parte da população.
Não passava pela nossa cabeça que aquilo tudo era um mero exercício imaginativo. Desconhecíamos a real situação de nossos pais e a possibilidade de bancarem nossos sonhos infantis.

O Natal estava mais próximo,
Toda manha a gente se reunia para acrescentar um novo item sobre nossos presentes.

A festa da véspera de Natal seria na casa de minha avó, que tinha uma casa bem grande.

Dois dias que antecediam o Natal, minha avó e suas filhas já estavam nos preparativos para a comilança natalina.
Minha mãe com certeza estava preparando um cordeiro com hortelã, comida predileta de meu pai. Minha tia traria um pequeno leitão. Minha avó, com fama de boa cozinheira, ia preparar um pato assado, que ela vinha engordando durante um ano inteiro. Fora isso haveria pavês, rabanadas, pudins e todas as castanhas típicas.

Com a chegada do Natal, dava pra perceber que as pessoas pareciam mudadas, mais alegres com vontade ajudar uns aos outros.
Era fácil notar essa alegria!

Não me lembro de ter pedido nada de Natal para ninguém.
Mas me lembro de ter começado um desenho na sala de aula do “prézinho”. Era o desenho do meu pedido ao Papai Noel, não sei por que não consegui acabá-lo na escola. Ao pensar nele, me deu certo medo, por que o velhinho poderia ficar sem saber qual seria minha intenção.

Enfim, chegou o dia.
Durante boa parte desse dia, o vento trazia os mais diversos cheiros vindos da vizinhança. Era uma mistura danada que fazia a gente salivar.
Ao cair da noite, foram chegando meus primos e os tios.
Era um falatório e algazarra da criançada.
Comida e bebida a vontade com o pessoal querendo comer de tudo como se o mundo fosse acabar.

Houve farta trocas de presentes.
Acabei ganhando um pijama, dois pares de meias e uma camiseta. Isso fora tudo que ganhei.
Meio chateado fui para um canto relembrando que minha vontade era ganhar uma bicicleta. Ninguém falou nada a respeito.

Fui brincar com a turminha, acabei me esquecendo do assunto.
Bem mais tarde fomos para casa e cai no sono de cansado.

Acordei tarde, quase meio dia, quase pronto pra cair na rua, quando me lembrei dos presentes que ganhara… Fiquei miúdo.
Perdi a vontade de ir pra rua para não ter o que explicar
Fiquei rodando pelo quintal meio sem rumo e querendo infernizar a vida de meu cachorro…

Minha mãe estava de saída para ajudar no almoço na casa de minha avó, para onde eu iria depois.
Do portão minha mãe gritou:
-“Por favor, meu filho, recolha para mim uns cobertores que estão no meu quarto. São cobertores que saíram do varal, queria que os guardasse no armário. Depois você pode ir para a casa da sua avó.”
Não gostei nem pouco daquele pedido.
Sai resmungando, chutando baldes, pedras e tudo que via pela frente.

Cheguei ao quarto de minha mãe e bem no meio havia uma montanha de cobertores, parecia um pico de tão alto. Pensei que era muito trabalho para mim…
Não gostei.
Coloquei minha bronca para fora e dei um chute bem forte naquela montanha como se quisesse destruir tudo aquilo.
Chutei forte e com raiva… E um grito alto saiu de dentro de mim.
Achei que tinha quebrado o pé, pois acertara alguma coisa bem dura que estava por baixo dos cobertores.
Chorei de dor e de raiva.

Minha mãe tinha voltado rapidinho de onde tinha ido, pois sabia o que estava acontecendo…
Quando a vi chorei mais ainda como se minha dor tivesse aumentado.
Disfarçando, ela perguntava o que havia acontecido?
Expliquei a ela o ocorrido
E ela disse que eu deveria ver o que havia embaixo…

Correndo fui tirando um por um dos diversos cobertores.
Ao tirar o ultimo, surgiu a minha bicicleta, toda azul e com campainha.
Chorei de novo de alegria e vergonha.
Ria e chorava ao mesmo tempo.

Depois de muitas compressas pude afinal ir pra casa da minha avó levando junto a bicicleta, mas sem ainda poder andar pois a dor estava forte. Somente no outro dia pude felizmente levar ela na rua para mostrar aos meus amiguinhos.

Ah! Com receio que tudo aquilo fosse um sonho, meu pai disse que dormi com as mãos agarradas ao guidão.
No outro dia, percebi que meu sonho sobre o Papai Noel, havia se acabado… Entendi que eram meus pais.
Mas o espírito natalino permanece dentro de mim, com a renovação da vida, da paz e do aniversariante, o Cristo.

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