Radiofonia Sintonizada

Num destes dias, na procura do improvável, encontro o provável repouso de minhas… (interrompo minhas linhas pra degustar, pela Rádio Cultura, um arranjo de Lizt, da La Campanella, de Paganinni, uma verdadeira maravilha… vício de rádio) …preocupações.
 
Dentro das várias recorrências, a fim de minimizar um torpor inconsciente, por demais incômodo, me valho de um dos mais antigos e reconfortantes meios de aparar suas ásperas arestas. Esse estado psíquico requer a intervenção da pureza, em matéria de conforto que, além de esmaecer suas tonalidades chocantes, tem o dom de alegrar, também, nossa existência: o rádio.
 
O rádio aqui, em nossa querida cidade de São Paulo, tem muitas histórias pra serem contadas, de múltiplos ângulos e de várias épocas. Seus primeiros profissionais tiveram a ventura de serem pioneiros em uma atividade nova, sem nenhum parâmetro a se orientar. 
 
O sistema radiofônico norte americano que, na década de 1930 já possuía um bom “broadcast” da radiofonização, foi muito útil no inicio das atividades aqui no Brasil. Não a toa, o linguajar dos locutores brasileiros ainda tem presente alguns termos de origem inglesa, tais como, “broadcast”, “speaker”, “cast”, “córner”, “off-side”, “hands”, “gol-kyper” e por aí afora.
 
Quando estava obtemperando nas respostas sobre estes fatores, eis que deparo, novamente com ele, o M-2, meu fiel companheiro de mais de oitenta e dois anos. Passamos a dialogar sobre o rádio de nossa época. São Paulo tinha nas audições, uma das suas principais atrações diárias.
 
– Oi, Modé, vc lembra, – começa o M-2 – quando a rádio tinha poucas estações? Paravam as programações as 14h e reiniciavam as 19h. A gente brincava na rua Assumpção, tendo a nossa frente a lateral do Palácio das Indústrias e o perfil, na época, da nossa querida cidade onde despontava o prédio mais alto do Brasil, o Martinelli.
 
– Lembro, sim! – respondi – E as programações que começavam, naquele tempo, logo após o término da Segunda Guerra Mundial? Na época, três de minhas queridas irmãs trabalhavam em casa, (Ana, já falecida, costureira; Carmela, já falecida, e Maria, pespontadeiras de calçados) e tinham como laser um aparelho de rádio RCA, caixa de madeira, trinta por quarenta e cinco centímetros, equipado com válvulas, onde se ouviam os lançamentos de músicas brasileiras – Francisco Alves, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Isaura Garcia e toda aquela “velha guarda” -, com seus vozeirões, em sambas, marchinhas, valsas, chorinhos e toda a riqueza musical de nossa bendita terra, e se ouvia, também…
 
– É verdade – interrompe M-2 -, se ouvia muita música estrangeira, americana, espanhola, portuguesa, francesa, mexicana, árabe e, principalmente, italiana. Você lembra, Modé? Lembra dos programas de 30 a 60 minutos, voltados pra um único pais? Por exemplo, música portuguesa, só tocava fados, se não me engano, chamava-se “Saudades D’Além mar”; a americana era “Ecos da Broadway”; a árabe era “Saudades do Oriente”; tangos com Ricardo Diaz, na rádio Panamericana, (antiga rádio Kosmo) e um dos mais populares, o de músicas italianas, apresentado por dois irmãos, Arturo e Guido Capodaglio… Isso sem contar com as de músicas clássicas e as novelas, a maioria apresentadas ao vivo.
 
– Pois é, M-2, e agora, como estão as programações das rádios? Melhoraram, pioraram ou estão na mesma…?
 
– Ahhh, lembrei de uma coisa – interrompe M-2 – que só diz respeito a nós, descendentes de italianos, sabe o que? Quando morria algum parente, mais ou menos próximo, colocavam-se uma faixa de pano preto em sinal de luto, na lapela do paletó. E se o morto era muito próximo, a faixa era colocada também nas camisas, uma pequena faxinha no bolso, por dois anos. E no rádio, lembra o que acontecia, Modé?
 
– Sim, claro, ficava-se dois anos de rádio desligado, sem ouvir nada… como agora… só que por dois meses…
 
– Não entendi… desliga-se o rádio por dois meses, pra que…?
 
– No “Horário Político”, seu bobo.