Sempre cri e norteei minha vida pelo mote de que todos os caminhos levam ao aprimoramento existencial se o respeito ao próximo for seu alicerce.
Atesta-o um trecho do Sutra do Lótus que assevera que "nesta vida, todo bem advém da preocupação com o bem alheio, todo o mal, da preocupação com o próprio bem". Amiúde, a Festa das Luzes (Khanukah) coincide com o fim do ano e, por vezes, com o Natal católico. Coincidências à parte, tenho de prestar uma dignificante homenagem a alguém que, conquanto tenha conhecido muito superficialmente, marcou-me bem como a todos os que tiveram tal honra e agora em dezembro foi o seu afastamento da Sfrbi.
A Sociedade Feminina Religiosa e Beneficente Israelita foi fundada em 1924 em São Paulo, aos moldes da sua símile carioca, a Abfri – Associação Beneficente e Funerária Religiosa Israelita. Ambas foram criadas por "polacas", termo nada pejorativo, ainda que pouco ajustado às origens de suas portadoras. Era o modo pelo qual se chamavam as bailarinas de cabaré nas grandes capitais das então províncias brasileiras, quase todas judias, lituanas, ucranianas, russas e, em menor proporção, polacas. Execradas pela comunidade israelita por seu trabalho, não obstante muitas delas, conforme atesta o romance de Moacyr Scliar, recentemente falecido, "A Revolta da Vacina", fossem enganadas ao vir ao Brasil, achando que se desposariam com jovens judeus solteiros. Viram-se no mister de fundar sua própria organização beneficente, a fim de, pelo menos, garantir uma descoberta de “matzeiva” em um cemitério judeu.
Conheci Fro – como ela gostava de ser chamada em iídiche – Berta, já em idade avançada. Foi presidente da Sfrbi entre 1961-63. Afastada por questão de saúde, Fro Berta, que eu chamava carinhosamente de "Pertha", aludindo à personagem do folclore germânico, versão da “Mummie Noel” – mamãe Noel, ou da italiana “Befana”, pois sempre dava alguma deliciosa vitualha quando se fosse ter com ela. Devo a ela três coisas: primeiro, a certeza de que o Sutra do Lótus está certo; segundo, de que somos todos responsáveis uns pelo bem estar dos outros; terceiro, a descoberta de que a palavra "encrenca" vem do iídiche (en Krenk, um doente). Era como as "polacas" se referiam aos clientes de má índole ou maus pagadores.
Obrigado, Fro Pertha. Agora é azo de recordar que todos podemos ser luzes, judeus, cristãos, budistas, ateus. Mais uma história, na São Paulo de tantas.
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