Quase conheci o Sinatra

Aconteceu em 1957, mas eu lembro como se fora hoje. Trabalhava na Poligrafa, Avenida Guilherme Coteching… Entre os colegas de trabalho… Roberto Tagliaferro, Amelia, Zico e muitos outros, mas o que marcou mais as minhas amizades foi um rapaz da minha idade por nome Benedito, ou Ditinho, como era conhecido.
Esse colega tinha muitas qualidades, mas um grave defeito… Era metido a falar inglês, e falar inglês naqueles tempos aqui na Vila Maria não era para qualquer neguinho.
Ele aproveitava todas as oportunidades para me humilhar, eu, um semi-analfabeto, e ele, um entendido nos idiomas dos gringos.
E ele não perdia oportunidades, de manhã era good morning, a tarde good afternoon, quando encontrava alguém na rua, how are you?, ao invés de tchau ele dizia bye bye, e isso era everyday, desculpem, todos os dias.
Certa ocasião ele chegou e me convidou para um passeio ao Ibirapuera, recém inaugurado. Ele havia marcado um encontro com uma menina da Vila Medeiros e como eram duas irmãs e uma não podia sair sem a outra, convidou logo a mim que não poderia fazer concorrência a ele. Dei-me por satisfeito com o convite, mas fui logo avisando… Não queira botar banca às minhas custas… Ele concordou.
Chegamos ao Ibirapuera logo cedo e no início foi tudo legal. Tudo legal até o momento em que se aproximou de nós um senhor baixinho, todo barbudo e maltrapilho, mas com algo que o destacava: lindos olhos azuis. Mas como olhos azuis de homem nunca foram meu fraco, vamos dar continuidade à narrativa.
Esse pobre coitado nos fez sinal com as mãos querendo dizer que precisava de uma esmola. Meu amigo não pôde resistir e disse em inglês: i don’t have money. As meninas e eu nem imaginávamos o que isso queria dizer, mas o mendigo parece ter entendido, pois aconteceu uma transformação e o homem falou uma hora sem parar. I get no kick from champagnhe… Mere alcohol doesn’t move at all… E começou a cantar bem alto chamando a atenção dos que passavam perto de onde a gente estava… And now, the end is near, and so i face the final curtain. My friend, I’ll say it clear, I’ll state my case, of which I’m certain… E foi por ai afora.
Alguns anos depois, eu fui descobrir, ou pelo menos desconfiar, que aquele mendigo deveria ser o Frank Sinatra, que depois de terminar o namoro com a Ava Gardner, ficou muito abalado e viajou para o Brasil tentando esquecer a mulher amada, mas não conseguindo arrumar trabalho e sendo gongado em todos os programas de calouros, perambulou pelas ruas desta cidade. Também pudera… Cantava tão mal.
Se algum de vocês que morem na Vila Maria encontrar um velhinho de cor parda falando ou fazendo citações em inglês, com certeza deve ser o meu amigo Benedito. Digam que eu mandei um abraço fraterno.

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