Faz alguns anos, numa das minhas tão esperadas férias em São Paulo, resolvi deixar o meu filho, ainda garoto, na casa da minha sogra, onde nos hospedávamos, para que eu pudesse sair sozinha, em paz, e fotografar a cidade. Durante vários dias, me pus a essa interessante tarefa, de caminhar, andar de ônibus, metrô e muito, muito a pé. Olhando, passando lentamente pelos lugares que eu poderia melhor observar e me apaixonar, mais ainda, pelo rosto do paulistano.
Eu me lembro que comecei a observação e a busca pelas imagens pelo próprio bairro onde me hospedava, a Vila Sônia. Fotografei um casal e uma criança, pessoas simples, com aparência nordestina, que muito ajudaram no crescimento cultural e econômico da cidade. Eu pedi licença, disse a eles qual era o meu objetivo e eles me atenderam prontamente. Agradeci e continuei a minha jornada.
É fantástico fotografar o rosto do paulistano! Existem, naqueles olhares, todas as misturas de sentimentos do mundo: tem o olhar do pouco sono, do cansaço, mas também da esperança, da beleza, da ternura. Tem o olhar da apreensão, da compaixão, da indignação, mas existe, muito profundamente, o olhar do amor pela vida. Isso a gente percebe mesmo, com enorme freqüência, graças a Deus.
Tomei o ônibus em direção à Avenida Paulista e, em plena Avenida Rebouças, não me contive, toquei a campainha e desci. Alguns pontos antes do Hospital das Clínicas, numa transversal, avistei uma caminhonete azul escura, escrito DOCES NEUSA. Desci na mesma hora com a determinação em fotografar o veículo. Quantas vezes eu vi esse carro pelas ruas do Cambuci, na minha infância, passando suavemente. Eu nunca consegui enxergar o rosto do motorista, mas o interesse era sempre o pedaço do céu que existiria ali dentro. Doces de leite, em pedaços pequenos, pé-de-moleque, paçoca, dadinho. Só quem conheceu o doce Dadinho sabe o que é sabor de infância, de sonho. Eu não conheço a história desse docinho de amendoim, mas sempre achei o máximo ter, anexo ao nome, a homenagem ao IV Centenário de São Paulo. Eu me lembro que lá pelos meus 12 anos, quando morávamos na Rua Albuquerque Maranhão, um tio do interior nos visitou com a família e, quando o caminhão passou, ele, cheio de doçura na alma, comprou uma caixa fechada de Dadinho, contendo 50 docinhos… Para mim essa experiência foi conhecer a ante-sala do paraíso. Na minha alma infantil, essa experiência perdurou por muito tempo… E fui caminhando em direção à Paulista… Como sempre, com o coração esbanjando encantamento pelo MASP, onde tantas e tantas vezes aproveitei para visitar o Portinari, o meu querido Candinho de Brodosqui e tantos outros grandes mestres. Entrei na Rua Frei Caneca, visitei a igreja onde me casei. Bem, a verdade é que fui caminhando até o Bixiga. Fiquei felicíssima quando, em plena 13 de Maio, uma mulher me pediu informações e eu soube orientá-la qual caminho seguir, mesmo depois de tantos anos vivendo fora dali.
No tradicional e interessantíssimo bairro italiano visitei a padaria Basilicata – desde 1914 – e comprei doces muito gostosos e levei um tanto para a minha avó – aquela que morou na Cantareira. Na porta de uma das deliciosas vendas de alimentos de origem italiana, solicitei ao proprietário, o Sr. Salvatore, que segurasse uma caixa de macarrão Barila para que eu pudesse fotografá-lo. Pedi licença e entrei, na hora do almoço, na cozinha de uma cantina próxima à igreja de Santa Achiropita e me deparei com uma cena inesperada: todos os cozinheiros eram nordestinos e preparavam a magnífica comida italiana. Esperava encontrar ali uma mamma gorduchinha, simpática, rosada ou um nonno cheio de tradição e de experiente paladar. No entanto, existiu, sim, muita beleza o que vi. Vi a São Paulo de todos, onde cabem todos os saberes, todas as formas de se procurar a sobrevivência, todas as experiências de vida.
O resultado das imagens obtidas a partir dessas andanças foi mostrado para pessoas amigas e o mais importante para mim foi o fato de eu ter ampliado essas fotos e decorado a sala do meu apartamento em Florianópolis, esbanjando cores e abraços de uma cidade que acolhe todos os povos, de todas as cores, saberes e paixões.
e-mail da autora: [email protected]