Primeiro emprego

Cheguei em casa meio assustado e sem saber muito que dizer. Tinha vindo lá da Avenida Paulista, do prédio do Conjunto Nacional, onde fui fazer minha primeira entrevista por um emprego. Tinha 14 anos.

Lá fui recebido por um rapaz apenas alguns anos mais velho que eu que me fez várias perguntas. As respostas saiam assim evasivas, sem muito sentido ou conteúdo. Se eu conhecia o centro de São Paulo, não, nada conhecia, respondi. Perguntou-me também em que bairro eu morava, ao ouvir que eu era de Santana, fez assim uma cara de espanto:
-“Não é muito longe?”
-“Não, dá para chegar pegando dois ônibus” – falei assim, como se isso para mim fosse nada.

Fiquei naquele lugar sendo sabatinado por ele e depois por seu chefe, um cara mais velho e sério que fez algumas perguntas e depois se retirou. Ao final ele disse:
– “Bom, você começa na segunda. Traga seus documentos e venha de roupa social e de gravata” – isso seria logo dali a três dias.

Pensei: “Meu Deus e agora?”. Desci do 23º andar, onde era a empresa e lá no térreo, fiquei m parado vendo o movimento das pessoas e percebendo já que agora eu iria trabalhar, mas como, se de nada sabia nem o que eu iria fazer, e aos poucos fui sendo dominado por um desespero íntimo e um sentimento de enorme solidão.

Peguei o ônibus Circular Avenidas no ponto em frente ao Conjunto Nacional que meu pai havia me ensinado e desci até o Largo do Correio onde peguei o Jardim São Paulo que me deixava na esquina da Rua Leôncio de Magalhães com minha rua, a Gaspar Soares.

Cheguei já de tarde e não vi nenhum amigo, foi como se algo me dissesse:
– “Agora acabou o tempo das brincadeiras, agora é trabalhar”.

Em casa minha mãe me encheu de perguntas, entre ansiosa e feliz vendo naquele fato o inicio de uma vida honrada e honesta para um jovem de 14 anos, naquele distante ano de 1968. Meu Pai não estava, chegava ao início da noite. Tranquei-me no banheiro e não sabia o que pensar e o que faria na segunda feira quando fosse "trabalhar".

Lembrei que no dia de meu aniversario de 14 anos, minha querida Tia Ivone falou para meu pai que agora eu já era um homem e devia trabalhar para não só ter meu próprio dinheiro como também ajudar em casa. Qual não foi meu espanto quando ouço meu Pai (que eu tinha certeza que iria rejeitar essa idéia, pois imagine se ele ia deixar seu filho querido trabalhar) responder para minha tia:
– “Sim, você tem razão ele já está na hora de trabalhar. Logo na segunda feira vou ver um emprego para ele”.

Foi assim que fui, lá naquela firma, fazer a tal entrevista, atravessar a cidade, e dentro de uma timidez avassaladora, responder perguntas de gente que nunca tinha visto. À noite meu pai chegou, entrou em casa sorridente e percebi que trazia um pequeno embrulho que foi logo colocando sob a mesa da sala.

Perguntou como tinha sido a entrevista, se tinham gostado de mim, se eu estava animado, e eu mal respondendo as perguntas de meu pai. Foi quando ele abriu o pacote e tirou de lá um terno completo, calça, paletó, camisa branca e gravata, do meu tamanho e com orgulho indisfarçável foi dizendo que aquela roupa é que eu devia usar em meu primeiro dia de
trabalho naquela grande empresa.

Lágrimas vieram aos meus olhos e vi que os dele e de minha mãe também refletiam aquele brilho de emoção, de repente foi como se nós três ali naquela pequena sala estivéssemos partindo para um novo futuro ou aventura.

Eu não sabia, nem minha mãe, que meu pai tinha ido comprar aquele terno para mim. Hoje o imagino peregrinando pelo velho centro de São Paulo em busca do melhor que seu dinheiro pudesse comprar e no tamanho certo para servir em mim direitinho.

Imagino sua ansiedade em chegar a casa para ver a reação minha e de minha mãe diante da surpresa que faria ao me presentear assim de repente. Ao me entregar o presente foi me dizendo que se eu tivesse nesse trabalho que sair a rua e me visse meio assim perdido, que ficasse calmo e tranquilo, procurasse um telefone em alguma loja ou padaria e ligasse para ele, que logo, ele estaria ao meu lado.

Lá fui eu de terno novo e confiante, trabalhar, agora sem medo, só esperança e vontade, por entender que eu já era um homem.

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