O nonno Consolato construiu o Posto Gazú na Avenida Rudge. Era para meu pai Carlos e os tios Pedro e Nelson, recém-casados, trabalharem juntos. Em uma avenida muito movimentada separando os bairros da Barra Funda e Bom Retiro, que vinha do centro e ia para a Casa Verde, o Gazú foi inaugurado em 1952 pelo padre Vicente da nossa paróquia Santo Antonio da Barra Funda. Tenho uma foto onde aparece “tutta la famiglia” cortando uma fita de inauguração, com o Consolato na frente com alguns amigos dele. Aparece nessa foto preto e branco um risonho militar da Guarda Civil com uniforme da época sem armas.
Quem deu o nome para o posto foi o Tio Nelson que tinha batizado a sua primeira filha homenageando a irmã Zulmira, morta muito moça. Seria o Posto da Zú, mas acabou ficando o Posto Gazú. Acreditem que não tem nada a haver com gasolina… O posto tinha bandeira Esso. Estava no sentido bairro cidade, do lado da Barra Funda, na esquina da Rua James Holland encostado da casa que eu morava.
Encostado também ao lado das duas casas da Avenida Rudge onde morava o tio Nelson e o tio Pedro. Essas três casas tinham portas de fundo saindo para o estacionamento do posto, onde se parava o carro da família e por onde se passava para ir nas casas uns dos outros e por isso a família estava sempre reunida.
Lembro do Chevrolet 29, do Fiat 52, do Land Rover 51, da Rural Willis 61 e do Fusca 63, 64, 66, 67… Nos seus devidos momentos. Os carros no estacionamento eram metade mensalista e a outra metade carros zero quilômetros da Sorana, carros e peruas com muita graxa na lataria. Com essas portas de fundo todo mundo se encontrava. Eram nove primos com cinco anos de diferença, imagine só o movimento. Eu tinha até duas primas gêmeas.
O nonninho precisava mesmo apelar para as varinhas de romã para ter um pouquinho de sossego com essa turma barulhenta. Mas acreditem a farra da criançada era tanta que valia entrar na sova de vez em quando. O tio Né até inventou uma tabuinha de tampa de caixa de uva, escrito Anestésico, para convencer a criança que não queria tomar injeção. Convencia muito facilmente…
Nunca vi o Anestésico ser usado. Era só tirar ele detrás da porta onde estava pendurado e colocar na mesa que a tia Marina já podia ir aplicando a injeção, O pessoal estava sempre junto, se não era almoço, era café da tarde com torradas e manteiga. E nos domingos almoço na casa do nonno ou em restaurante do primo na São Caetano, quando não era pizza ou churrasco com tanto aniversário.
Na frente do posto havia três bombas sob a cobertura de telhas, o escritório do Posto, em cima outro escritório de projetos de construção do tio Pedro e do primo Miguel. Do lado esquerdo do escritório tinha a troca de óleo e do lado direito a passagem para o estacionamento para 60 carros e dois lavadores.
Eu gostava de lavar os carros e as bicicletas da família. E a churrasqueira. O jato de água saia com muita, muita pressão do compressor, então para abrir o jato tinha que se colocar o dedo na frente, fazendo o jato não ficar dirigido para um ponto só. Com o dedo na lateral do jato podíamos fazer com que a água saísse em um jato tipo nuvem, mais aberta e ainda com muita pressão. Arrancava a sujeira. Mas se o dedo fosse colocado muito na frente e desviasse muito o jato da água, a gente queimava o dedo na hora. Queimadura por atrito com água fria.
Meu tio Nelson trabalhava como gerente no posto e fazia seus aeromodelos em uma pequena oficina atrás dos lavadores. Ele e o amigo Adhemar faziam os aviões e iam depois soltar na Praça Roosevelt, nos dias que não tinha feira. Construíram até um helicóptero à jato com pastilhas sólidas de combustível. O helicóptero era tipo voo livre e os aviões com controle U. No porão da casa do tio Nelson estavam estacionados dezenas de modelos de aviões com asa simples e com asas duplas, em diversos tamanhos e cores, muitos motores, cavaletes, ferramentas e equipamentos, que foram aposentados quando ele adoeceu.
Lembro de muita gente no posto comendo amendoim e jogando conversa fora! Durante anos foi ponto de abastecimento da Telesp, e de muitos carros de praça. O que nunca vi abastecendo eram os bondes que passavam em frente ao posto fazendo um barulho infernal, e na distância de cinco quarteirões já se ouvia o possante de ferro chegando e fazendo tremer todas as casas ao redor.
Aparecia lá gente diferente e até esquisita. Era ponto de encontro de muita gente. Eu era pequeno e ficava fascinado com aquele movimento todo. Achava muito diferente e barulhenta a máquina de limpar velas com ar comprimido do lado das bombas. Imagina se as pessoas teriam tempo hoje de tirar todas as velas do motor para uma limpeza durante o abastecimento de gasolina!
Nos anos 50 tinha tão poucos carros, tão pouco movimento, que a turma jogava futebol na James Holland recentemente asfaltada. Quando vinha um carro ou outro, o jogo parava com os meninos parados na posição que estavam para voltar a jogar quando o carro passasse. E se jogava à tarde inteira e nunca houve problemas com carros ou caminhões e era distante 20 metros do Gazú. Todos os carros eram grandes e importados. Quando os fuscas começaram aparecer paramos de jogar futebol na rua.
O Tio Nelson trabalhou no posto até quando faleceu em 6 junho de 1966 com 44 anos, há 44 anos passados. O Posto foi administrado pela família durante os primeiros cinco anos e depois foi alugado, tendo passado muitos inquilinos durante 50 anos, com muitas vendas do ponto comercial entre eles e dezenas de contratos de locação. Hoje a família é menor. Ficou a saudade.
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