Entendi que aquele era o tempo propício para começar a descobrir o mundo! Tempo de começar a sair de casa, a buscar oxigênio, ousar. Era tempo de fazer identidade, tentar desenhar um mundo com outras cores.
Nos anos 70, eu comecei a querer alguma coisa… E fui aprender a pintar peças de gesso. Coisa banalíssima hoje. Mas naquele tempo, para mim, foi uma grande vitória!
Eu saía de casa, na Rua Albuquerque Maranhão (que um tintureiro japonês um dia escreveu Rua Abel Kerki Malanhon!) e ia caminhando até a Rua Barão de Jaguara, onde havia uma pequena, humilde, loja de artesanato e uma senhora nordestina ensinava a misturar e a aplicar as tintas.
Naquele tempo, era só lixar a peça, passar goma laca e, depois, fazer a aplicação do betume. Com um pedaço de pano, retirava-se o excesso da tinta e a peça ficava com aparência de envelhecida. Pronto! Eis uma obra supostamente artística, e eu achava uma peça mais linda que a outra e logo me pus a colocar algumas peças em casa, e também passei a presentear a minha tia Norma e a minha tia Evelina, única irmã do meu pai.
E eu ia feliz, encantada com a vida, achando que eu estava começando a ser dona da minha história e que a mesma seria escrita com o meu esforço. E haja esforço!
E era só betume. Será que a vida seria sempre negra e com cheiro muito forte e, para tapear, um paninho velho dando uma aparência de nem tanta tristeza? Claro que não!
As outras cores foram inventadas com o tempo, bem como a minha trajetória. Parece que a construção da minha história andou paralela às novas cores, às invenções de diversas tonalidades do azul, do vermelho, as variações do amarelo, do lilás e, em meio a tantas perdas e tempos, foram nascendo outros tons, se mesclando, brotando cores inusitadas, até meio musicais, dando direito a invenções, a novas formas e criatividade até que eu me pus a tentar copiar – pelo menos um pouco – as coisas da natureza. Uma árvore, um céu, uma flor, o mar, um rio a natureza morta.
A partir do betume, eu percebi que era possível construir. Muitas vezes eu ia à aula em tardes nubladas de outono. Outras tardes, com a garoa fina e fria. Mas eu nunca desisti.
Não sei quanto tempo fiquei por ali, com as poucas peças, com a limitação do betume, mas eu ficava extasiada com aquele ambiente, os papéis forrando a mesa de madeira clara, as banquetas meio velhas, mas firmes.
Eu não me lembro o nome da professora, mas ela me ensinou muito. Ela foi a ponte entre o escuro e o claro, o aprisionado e o lúdico, o opaco e o brilhante. Por ali comecei a andar e a perceber a beleza das mãos. Ah! Nada mais lindo que as mãos de uma pessoa! Elas podem acariciar, dialogar com o universo, apresentar apaixonadamente o mundo a tantas pessoas… e podem dar tchau.
Quando escrevo na lousa, gosto, sem que ninguém perceba, de fechar o olho direito para forçar o esquerdo a ver melhor a agilidade da minha mão, que traça letras rápidas. Gosto de olhar as mãos de qualquer pessoa que se aproxima de mim. A mão move o mundo, sobretudo se acompanhada de um pincel. A mão e o sonho.
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