Na minha infância, a gente brincava, brincava e brincava. Não se via uma criança com seus dez ou onze anos falar em namoro. O negócio era brincar, ir à escola, fazer a lição de casa e depois brincar novamente. Quem falava em namoro infantil eram os pais. Principalmente as mães. Olha, quando sua filha crescer quero estar lá como nora. Ou então, outra mãe dizia à vizinha. Nossa, como seu filho é educadinho. Gostaria que minha filha casasse com ele.<br>Quando o menino ou menina eram instigados pelos pais ou vizinhos, era comum ficarem vermelhos de vergonha. Mas sempre havia aquele ciúme de parte a parte entre meninos e meninas. Nem sempre esse ciúme era de namoro. Era mais de exclusividade.<br>Não vou dizer que não havia namoricos. Houve e até acabou em casamentos. Mas era por imposição dos pais. Naquele tempo casava-se com pouca idade, principalmente as moças. Uma moça com vinte e um anos estava mais para a titia do que para um homem. Tinha que ouvir tantas perguntas que ficava irritada. Quando vão sair os doces? E aí, já arrumou um namorado? Quando vai se casar? Não se esqueça de me convidar! Ou então: faço questão de ser a madrinha. Já os homens não estavam nem aí. Quanto mais solteira, melhor. Sempre sobra uma brecha para se dar uma cantada.<br>Mas, voltando às crianças, quando elas tinham aqueles momentos de dor de cotovelo, sempre tinha picuinhas. Os meninos que se sentiam afastados por uma menina qualquer cantarolavam alto para todo mundo ouvir:<br>- Lá na rua onde eu moro tem uma garota que é muito sapeca, passa as noites namorando, até de madrugada, com um velho careca. Eu fico sentado no muro olhando no escuro os dois se beijando…<br>Quando as meninas estavam se tornando mocinhas, havia a preocupação das mães: Olha minha filha, você tem que se preservar. Tome muito cuidado. Os rapazes são muito avançados. Quero que você se case virgem para não ofender a Deus, segundo as leis da sagrada igreja católica.<br>Já os pais estavam preocupados para que seu filho não viesse a ser um futuro viado:<br>E aí, filho, já deu uma pegada em alguma menina? O filho, pego assim de sopetão, sempre tinha o rosto vermelho de vergonha. Aí o pai arrumava os papéis, ia de encontro a uma mulher da vida que ele julgava limpinha, prometia uma grana e mandava o filho lá para bater um papo. O pagamento era feito a seguir. Mas não sem antes saber como foi o desempenho do filho na cama. A resposta era sempre aquela: Nossa… Um futuro garanhão. Nunca gozei tanto. Manda ele de volta!<br>Casamentos realizados. Machismo, submissão e traições eram as conversas de botecos e de ouvidos. E por causa daquele papo do padre, que só Deus desfaz, o casamento prevalecia, até a morte de um dos cônjuges.<br><br>e-mail do autor: [email protected]