"Plaftt"… Foi o barulho do tapa na nuca que o Joca tomou da dona Luzia ao tentar roubar uma fruta de sua sacola de feira.
Seu alvo era uma goiaba que estava solta na boca do saco, amarrado apressadamente pelo rapaz da banca. Ele já havia pegado a fruta e ia sair correndo quando foi violentamente atingido por aquele torpedo, ele não caiu na hora, mas saiu meio que de quatro, catando cavacos, tentando recuperar o equilíbrio, cambaleou por uns cinco metros quando finalmente se esborrachou em cima da banca de um marreteiro que vendia bugigangas, levantou-se apressadamente, olhou para trás, temendo ter sido seguido por sua agressora, e desapareceu em meio a multidão da feira.
Assim era a dona Luzia, uma paraibana de seus trinta ou trinta e cinco anos, um metro e noventa de altura, ignorante como um hipopótamo.
Na época de hoje ela seria considerada um lutador de vale tudo, enfiava a mão na cara de qualquer um que fosse fazer alguma reclamação de algum de seus filhos, ela não queria nem saber do que se tratava, seus filhos tinham sempre a razão. Mas por outro lado se você chegasse com cautela, elogiando seus filhos e a educação que possuíam, o tratamento que você recebia era totalmente diferente, ela falava mansinho, com voz de menininha e fazia de tudo para lhe agradar, ela gostava de ser tratada como uma dama.
Dona Luzia tinha oito filhos, um de cada pai, sendo a Zezé e o Zé Maria os filhos mais velhos, eram eles que… "cuidavam"… de seus irmãos enquanto a mãe saía para trabalhar e ganhar o pão de cada dia.
Era uma família muito pobre e carente, moravam todos em uma garagem abandonada, onde em um único cômodo existia quarto, cozinha, sala e banheiro, a casa deles estava sempre cheirando urina, e o chão era sempre sujo e pegajoso.
O Damião, o Cido e o Cícero (este último apelidado de "barriga", devido a sua enorme pança cheia de vermes) eram os filhos do meio e não saíam da rua, só tomavam banho quando chovia, ficavam correndo para cima e para baixo tomando chuva e brincando na enxurrada que se formava na sarjeta. Existiam também a Jacira e a Jurema, uma de quatro e a outra de cinco anos, andavam sempre com a bunda de fora e o nariz cheio de ranho, a Jurema estava sempre me pedindo um pedaço de pão, pedaço este que eu nunca negava, e tinha também a pequenina Bete, que só andava pelada e toda mijada, ela era o xodó da dona Luzia, não preciso nem contar que eles só viviam aprontando, e ai de quem fosse fazer alguma reclamação para a sua mãe.
Aquela era uma família com todos os requisitos para formar um bando de bandidos e prostitutas, mas naquele tempo as coisas não eram assim; em meu tempo de criança ser pobre não significava ser destituído de caráter. A dona Luzia, embora tivesse seus oito filhos, teve a sorte de casar-se com um português dono de uma padaria, e pouco tempo depois eles se mudaram e fiquei muitos anos sem ter notícia alguma deles. Foi quando certo dia, apos vinte e cinco anos, encontrei o Barriga no metrô, eu não o conheci, mas ele me reconheceu.
– E aí, Cabeção, como vão as coisas? Faz tempo, hein? Lembra-se de mim? (Cabeção era o meu apelido de infância.) Sou o Cícero, o Barriga, filho da dona Luzia, lembra?
Aos poucos fui buscando as memórias do passado quando tudo ficou claro em minha mente.
– Rapaz, quanto tempo!!! – exclamei…
Trocamos um forte abraço, e naqueles poucos minutos que ficamos juntos ele me atualizou de toda a situação de sua família.
A dona Luzia ainda estava casada com o português e hoje é uma respeitada senhora em um bairro, no Tatuapé, tiveram mais duas filhas, a Elvira e a Natália, ambas estão terminando o ensino médio. O Zé Maria, o mais velho, formou-se em padeiro pelo Senai, e hoje, junto com sua esposa e seus três filhos, tomam conta de uma segunda padaria que eles montaram. A Zezé formou-se em língua portuguesa e casou-se também com um professor de português, ambos lecionam em uma respeitável escola estadual. O Damião é formado em Teologia e é pastor de uma igreja Batista, o Cido, do qual já levei várias pedradas na cabeça, é Sargento da Polícia Militar. Ele, o Barriga, é motorista de ônibus de uma conceituada empresa de ônibus de transporte coletivo, e estava de folga quando o encontrei no metrô. A Jacira e a Jurema são professoras de educação física e a Bete, o xodó da dona Luzia, está se formando em fisioterapia.
Quem te viu, quem te vê… Falei pra ele… Ele deu um grande sorriso, exibindo uma linda fileira de dentes brancos e bem tratados, tive que descer na Praça da Sé, nos despedimos e trocamos telefone.
Fiquei muito feliz em saber que todos estavam bem.
Ei… mas espera aí… E o Joca? Alguém deve estar se perguntando… Sim, também encontrei o Joca em um dia desses… E, por incrível que pareça, ele é dono de uma abastada barraca de frutas na feira.
Bem!!! Se alguém estiver curioso com respeito a minha pessoa, hoje sou Técnico Mecânico em uma Empresa Multinacional, e, se Deus assim permitir, faltam apenas uns cinco anos para me aposentar, aí terei mais tempo para escrever estes pequenos fragmentos, mas que formam as páginas da história de nossa querida São Paulo.
Um abraço ao querido amigo leitor e até à próxima.
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