Quando criança ia à seção “Zig zag” do Cine Don Pedro, com meu irmão, e Ana Maria e seu pai. Ainda não tinha a televisão, então para assistir a um desenho animado tinha que ir a seção do cinema. Quando saímos do cinema a fome batia e íamos sempre à pastelaria do Chinês na esquina da Avenida São João, e um dia olhado o enorme prédio Martinelli, vi um luminoso que tinha dois porquinhos disputando uma fieira de linguiça. O neon movimentava os dois em um puxa-puxa que dava a impressão que a fieira de lingüiça fosse arrebentar.
Perguntado a seu Osvaldo se arrebentava aquela fieira das lingüiças ele disse que sim, isso quando a curiosidade nos levou bem próximos aquela maravilha que mais era um desenho animado. Seu Osvaldo na galhofa disse que não era pra gente ficar em baixo porque arrebentando a fileira de lingüiça um dos porquinhos cairia em cima da laje e o outro em cima das nossas cabeças.
Anos mais tarde quando o centro da cidade era a passarela dos meus passos, fiquei um grande freguês daquela lanchonete. Às vezes nem sempre estava com vontade de comer algo, mas moças bonitas ali sentadas "nos convidavam" a entrar, e a filosofia popular dizia que quando não dava para paquerar, ou conquistar, "o negocio era ver com os olhos e lamber com a testa". E assim fazia eu a alguns rapazes, que sentados nos banquinhos pedia um guaraná e ficava tomando a conta gotas. Para o dono da lanchonete era prejuízo, pois por longo tempo ficávamos tomando o lugar de quem ia consumir e gastar muito mais. É assim onde tem "esperto, sempre tem um trouxa perdendo dinheiro. Outra filosofia barata.
A própria lanchonete, um autêntico restaurante, tinha um corredor à direita de quem entrava, em um compartimento envidraçado onde ficavam as bandejas de água fervendo em que as salsichas eram cosidas com perfeição sempre no ponto exato. Mais ao fundo ficava o forno em que as lingüiças, simples, calabresas, de sangue toscano ou de lombo eram asadas na própria gordura. No meio um enorme cesto de vime com pãezinhos estalando de frescos. Do outro lado, o balcão das bebidas a geleira do chope e a caixa registradora toda ora fazendo aquele barulho estridente, “blim-blom”, de um cruzeirinho ou mais registrado.
Ao fundo, sobre uma estreita prateleira de mármore branco estavam alinhados os frascos de mostarda clara e escura, pimenta vermelha, preta e a verdinha pimenta malagueta que meu pai mais gostava. Comia aos montes o velho. Depois vinham os molhos: inglês e de tomate e os saleiros.
Era um ambiente gostoso de ficar. Simples, sempre limpo, despretensioso. A lanchonete Os dois Porquinhos era bem mais, vamos dizer uma "salsicharia". Era uma autentica instituição de "calçar o peito" como se dizia na gíria. Para quem tivesse pressa, e quem não tinha? A dois Porquinhos era a casa mais indicada, e em muitas vezes a pressa fazia algumas pessoas comer de pé. E o preço era sempre convidativo também. Quando terminava o horário comercial. Lá estavam os comerciários e consumidores da Rua 25 de março e região, estudantes, e burocratas, sem contar os "habitues" do prédio Martinelli, entre os quais, publicitários, estelionatários, escroques, doleiros e Cia Bela.
Bem mais tarde, às 23h, era ponto obrigatório de parada dos estudantes da noite. Era um momento em que a casa recebia o maior numero de pessoas todas com muita fome, depois dessa hora vinha os boêmios da noitada, boateiros, que saiam dos taxis dancings, e cabarés, zoneiros, e andarilhos, curiosos como eu.
A lanchonete Os dois Porquinhos sobreviveram por muitos anos incólumes, mas sempre tem aquele, mas o tempo foi passando e infelizmente foi aquele tempo devastador em que as coisas vão se deteriorando. Os dois Porquinhos passaram a recebem visitas não tão agradáveis como antes. Mendigos e maltrapilhos, perambuladores entravam com seu pãozinho conseguido não se sabe onde, para colocar em surdina um pouco de mostarda ou uma pimentinha, muitas vezes a vista do dono, que fazia vistas grossas.
Hoje nem sei se Os dois Porquinhos resistiram à passagem do tempo, ou se a fieira de salsicha não desatou, e se eles conseguiram se manter de pé, mesmo entristecidos por não poder segurar aquilo que tinham tanta vontade de possuir, que fez com que brigassem por tanto tempo. Mas enquanto durou, foi uma casa onde se comia com olhos arregalados de prazer gastronômico.
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