Sempre que passeávamos no parquinho cruzávamos com o velho. Alto, magro, blusa branca, calça azul-marinho, a calva cercada por fios brancos. Andava sempre com seu pequeno grupo, de sua idade, que ali se encontrava quase todas as manhãs. Puxava a perna esquerda, mas fora disto parecia estar muito bem, sempre discutido assuntos com os outros, em alto e bom som.
Dávamos nossas voltas regulamentares no parque agradável, principalmente quando o sol da manhã furava o denso arvoredo, bordando de ouro a estreita trilha. Mas nunca havíamos falado com o velho, sequer o cumprimentado. São Paulo é assim; as pessoas têm medo de intimidade com estranhos, e também não queríamos forçar a situação. Seu grupo parecia feliz com seu pequeno círculo, e assim circulavam também o parque, mas com lentidão, mesmo porque a perna do mais alto não colaborava.
Um dia, o inesperado: uma das curvas do caminho fora interrompida. Funcionários estavam aparando os cerrados bambus, e faixas amarelas interceptavam a passagem. Os idosos caminhavam à nossa frente e estancaram, surpresos. Então, pela primeira vez nos falamos e comentamos o fato: agora teria de se cruzar pelo meio do parque, antes um campinho de futebol para os garotos da escola vizinha, e agora o ponto de encontro dos lulus e fifis mimados da região.
Passamos então a nos saudar, principalmente o altão, que com seu andar claudicante era o mais notável. Mas um dia – eu estava sozinho – passo por ele, cumprimento-o e ele nem me olha. Outro dia, agora com minha esposa, a mesma coisa: ensaio um aceno, e ele nem estava aí. Que estranho, comentei. Coisas de São Paulo.
Noutra volta do caminho vimo-lo conversando com uma moça, mas andando em sentido contrário ao do primeiro encontro. Olhe, disse minha mulher, este é outro, aquele era "falso"! Para mim parecia o "verdadeiro"; a mesma camiseta branca, a mesma calça azul, o mesmo puxar da mesma perna.
Ah, o Outro! O Doppelgang de que nos falam contos kafkianos, um alter ego da mesma pessoa, que não sabe de tal existência, a não ser por falas de amigos, que juram tê-lo visto em um ponto da cidade onde jamais esteve….seria este o caso? Bem, vimos os "dois", o falso e o verdadeiro caminhando em direções contrárias, assim logo se encontrariam na próxima curva do parque…ou se fundiriam e uma só pessoa, recuperando a primitiva unicidade? Logo saberemos.
Dito e feito. Eis que eles se encontram mesmo, com mostras de grande euforia. O "falso" um pouco mais alto, mais velho e encanecido que o "verdadeiro". Mas, mesmo assim, idênticos à primeira, ou talvez muitas mais vistas. Fossem gêmeos- seriam?- não poderiam ser mais parecidos. Hoje, passeamos por ali novamente, e o "verdadeiro" nos saudou.
Felizmente, meu caro Watson, resolvido mais um do muitos mistérios paulistanos. E desta vez em dose dupla.