Ano 1954/55, eu e a turminha estudávamos no Grupo Escolar "Mario de Andrade", ao sairmos da escola era costume chocar os bondes no Brooklin e descer na Parada Petrópolis, coisa de moleque, para não pagar. Algumas crianças preferiam ir a pé, brincando nos trilhos. Por causa dessas brincadeiras o destino tirou a vida de uma bela menina, nossa colequinha do Grupo Escolar. Ela colocava pedras nos trilhos, quando o bonde passava as pedras eram espirradas para o lado, era muito divertido. Todos nós fazíamos isso, inclusive eu. Neste dia, o bonde que estávamos parou repentinamente, próximo a fábrica de chocolates Lacta, saltamos para ver o que havia ocorrido, o bonde que vinha na frente tinha acabado de atropelar a menina. Apesar dos meus 10/11 anos, nunca esqueci da cena horrível que presenciei, em baixo do bonde, já sem vida, o corpo da criança. Lembro-me que só consegui ver suas mãos entre as ferragens. O pai dela, seu Chico, "O Chico Açouqueiro", assim era conhecido, tinha um açougue em frente à parada Petrópolis, mais ou menos a 500 metros do local. Ao saber do ocorrido, o Chico saiu desesperado com uma faca, a procura do motorneiro para matá-lo, felizmente não conseguiu, o mesmo havia fugido. Depois ficamos sabendo como aconteceu: os bondes circulavam em duas mãos de direção, uns que iam e outros que vinham de Santo Amaro, ela estava colocando as pedras sobre os trilhos, com a aproximação do bonde, ela se projetou para lado contrário, sendo fatalmente atingida pelo bonde que vinha no sentido oposto, talvez pelo barulho dos bondes ela não percebeu que o outro estava vindo [dedução minha]. Ficamos uns 10 dias sem ir à escola, colocar pedras nos trilhos nunca mais na vida. Desculpem-me, apesar de morarmos na mesma rua, Manoel da Nóbrega, não me lembro o nome dela, sei que o Chico tinha mais três filhas. Respeito os internautas deste site quanto às lembranças, recordações e a saudade que os bondes deixaram para vocês, mas para nós e a família do Chico ficou a dor e a cicatriz, que o tempo jamais apagará. Isto é São Paulo minha Cidade dos anos 50.
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