Gosto de caminhar. É um velho hábito que exercitei enquanto as já cansadas pernas aguentaram. Caminhei pelos bosques da cidade, mas a insegurança levou-me a optar pelas ruas e avenidas de minha querida Vila Pompéia.
Gostava de observar as pessoas, de ver que no lugar de antigo terreno baldio se erguia imponente edifício. Gostava, sobretudo, dos jardins floridos, bem cuidados, onde se percebe a mão feminina. Assustavam-me apenas os cachorros que ladravam sem motivo e os motoristas que não respeitavam os pedestres.
Numa dessas andanças, já vai longe o tempo, quando o sol já começava a se pôr, ouvi o som de um piano. Acelerei o passo e identifiquei um sobrado de onde vinham os acordes de um choro de Ernesto Nazareth, Brejeiro, se não me trai a memória. Parei e ali permaneci até o final da música e prossegui meu caminho com a energia redobrada.
Nos dias que se seguiram voltei ao sobrado e era um encantamento ouvir o som daquele piano. Tornou-se um hábito e às vezes quando retomava a caminhada ficava a imaginar quem seria a intérprete: uma jovem e talentosa estudante de piano, uma senhora idosa que buscava nas notas de seu instrumento lembranças de sua mocidade? Ou um músico da noite ensaiando seu repertório?
Nunca tive a resposta…
Alguns dias depois dessa "descoberta" viajei. Fiquei alguns dias fora e no retorno fui, como sempre, fazer a minha caminhada e não deixei de passar pelo sobrado – trajeto obrigatório – para ouvir o som do piano. À medida que me aproximava percebi, para minha tristeza, apenas silêncio.
Acelerei o passo e, decepção! O sobrado fechado e no muro uma tristonha placa – VENDE-SE ESTA CASA. Doeu!
O tempo passou, mas até hoje, quando ouço o som de um piano, lembro-me daquele episódio e me pergunto: por onde andará aquele misterioso intérprete que ao cair da tarde, por algum tempo, fez involuntariamente a alegria de minhas solitárias caminhadas?
Mudei-me há muitos anos para um apartamento e hoje, impossibilitado pela idade, pelo tédio e pelo medo, limito-me a ficar enclausurado em minha própria casa, recordando-me dos bons tempos em que se podia caminhar sem sustos ou sobressaltos pelas ruas de nossa querida São Paulo.
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