O meu tio baixinho

Eu tive um tio baixinho. Chamavam-no de Bardo, não porque ele fosse um poeta medieval. Vindo da região bragantina, alguém chamado Ubaldo fatalmente teria de ser chamado daquela forma, assim como minhas outras tias também tiveram seus nomes alterados pelo dialeto local. Albertina era Bertina, Adelina era Dilina, Aurélio era Orélio, e assim por diante. "Hirto", em Bragança Paulista e adjacências, não significa propriamente "ereto", mas é como os bragantinos se referem a uma famosa rede de hotéis, ou a uma conhecida marca de cigarros (Hilton).

Esse meu tio veio para São Paulo e logo aprendeu um ofício. Passou a consertar com maestria todo tipo de máquina de escrever.

Normalmente, no primeiro aniversário de um filho, era e ainda é comum fazerem "uma festa de arromba". E no meu caso não foi diferente. Tudo muito simples, mas com capricho. Colocava-se uma toalha nova na mesa, as melhores louças, um lindo bolo, docinhos e salgados, tudo feito em casa, muitos parentes, amigos e vizinhos e a festa estava completa. Só que aniversariante algum, pelo que eu saiba, jamais se lembrou dessa festa. No meu caso, eu soube que mal acabaram de cantar o parabéns e já fui colocado no berço. A festa continuou somente para os adultos.

O Bardo, que na época era um dos nossos agregados, deixou seu trabalho mais cedo naquele sábado para ir à minha festa. Carregando sua maletinha de ferramentas, percorreu a Rua XV de Novembro, no centro, rumo à Praça João Mendes, onde tomaria o trólebus nº. 16 rumo a Aclimação, onde morávamos.

Acontece que em determinado ponto daquela rua acontecia um sururu, e a polícia chegou no exato momento em que meu tio passava pelo local. Como diz o chavão hoje em moda, "estava no lugar errado, na hora errada". Confundido com os brigões e apesar de todas as suas tentativas de se explicar, foi também colocado na viatura e levado para a delegacia. A polícia já naquele tempo tinha como máxima que "todo mundo é suspeito até que se prove o contrário".

Enquanto isso, na minha festa, todos já se mostravam preocupados porque o baixinho não aparecia. Não havia telefone em casa. Procurar em hospitais, ou mesmo no necrotério? O jeito foi esperar até o dia seguinte, quando ele reapareceu barbudo e louco por um bom banho.
Meu tio teve de passar a noite na delegacia.

No dia seguinte, já na presença do delegado, quis o destino que a máquina de escrever do distrito quebrasse. Só então meu tio conseguiu desfazer o equívoco. Pediu sua maletinha de volta e ali mesmo consertou a tal máquina. O delegado pediu mil desculpas, mas não sei se pagou pelo serviço.

Tempos depois, o baixinho mudou radicalmente de profissão. Virou pescador profissional. Casou e foi morar na casa dos sogros às margens da Represa Billings, em Riacho Grande. Viveu depois às margens de outros rios pelo interior de São Paulo, até aparecer a doença fatal que o foi consumindo aos poucos e que finalmente o levou prematuramente, com apenas 47 anos.

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