O meu filho

Foi dia 2 de abril. Em uma noite úmida de setembro de 1980 eu entrei no corredor da maternidade do Hospital Santa Helena, na Avenida Liberdade esquina com a Rua São Joaquim para ir ao quarto onde minha mulher estava internada para dar a luz ao meu filho.<br><br>Passei em frente ao berçário, aquele grande aquário onde são deixados nas primeiras horas os recém nascidos e imaginei qual seria o lugar que meu filho poderia ficar, mas fiquei um pouco tenso ao ver como as auxiliares de enfermagem tratavam de forma impessoal aquelas pequenas criaturas. Não que fossem grosseiras ou algo assim, mas pela rapidez e precisão como trabalhavam… Coisa meio automatizada. Pensei que estavam apenas fazendo o trabalho delas… E o meu filho não estava ali… Ainda.<br><br>Não passaram muitas horas desde aquela cena para o momento do nascimento do Conrado. Grandão, com 4,5 quilos e uns 50 e tantos centímetros chegou o meu filho! Acompanhei a uma distancia pequena do colo da enfermeira até aquele aquário para a realização dos primeiros procedimentos de praxe. Foi quando vi a pediatra, por sinal colega de minha mulher, aplicar uma injeção (que era quase metade do comprimento do meu filho) com um liquido em uma de suas coxas. Eu só pude ver o tamanho da boca que meu filho abriu de dor quando aquela agulha penetrou na sua perna. Era um procedimento padrão para livrar o recém nascido da icterícia, vitamina K, mas só fiquei sabendo umas duas horas depois… Mas, até então, me deu uma vontade tamanha de atravessar aquele vidro, pegar aquela pequena médica pelo pescoço e fazê-la parar com aquilo, justamente com o meu filho. Que sensação mais desesperadora para um leigo como era eu na época.<br><br>Essa passagem tinha que contar, pois foi o grande sinal de boas vindas que eu pude (ou tive a oportunidade) e não consegui dar ao meu filho. Mas ele sabe dessa história e damos boas risadas a respeito disso. Várias passagens depois dessa aconteceram ao longo dos seus 31 anos.<br><br>Outra passagem interessante foi quando fomos com ele, já com dois anos e três meses, para Cabo Frio de ônibus. Pegamos o ônibus da linha 1001 na rodoviária Novo Rio e ao passar pela primeira alça de acesso da ponte Rio – Niterói com ele no meu colo. Estávamos sentados em uma poltrona do corredor e ao ver os navios ao largo, aquele pequeno ser ficou deslumbrado com a visão portuária daquele trecho e pulou do meu colo, indo para a janela da poltrona ao lado, onde não havia ninguém.<br><br>Naquele trecho, e por ser verão, tem um cheiro característico de mangue e com as janelas do ônibus abertas não era muito fácil distinguir qualquer outro cheiro senão aquele característico. Pois é, acredito que naquele dia algo não deve ter feito muito bem para o seu pequeno intestino e… Com a fralda descartável já frouxa em uma das pernas ele deixou um rastro do meu colo até a poltrona do lado.<br>- "Meu Deus do céu!"<br><br>Minha camisa, minhas calças, a poltrona do ônibus, a roupinha dele… Tudo foi de embrulho! E ainda estávamos no Rio, faltavam umas duas horas de viagem! Minha mulher, que estava na poltrona do outro lado do corredor, arregalou dois olhos e percebeu o meu desespero!<br><br>Acabamos com as folhas de um Jornal do Brasil, que alguém havia esquecido, para tentar aliviar aquele nosso sofrimento. E o Conrado? Nem aí! Continuou a admirar os grandes navios da baia da Guanabara como se nada tivesse acontecido.<br><br>Também nessa mesma época, ele se pendurou em uma cadeira que tínhamos na sala do nosso pequeno apartamento na Rua Alves Guimarães, pesadíssima até para nós. Ele se pendurou pelas costas, querendo que subir nela, mas seu peso forçou o desequilíbrio e caíram os dois, a cadeira e ele, prensando a pequena cabecinha contra o chão. Cheguei a ver suas amídalas do tamanho da boca de choro que ele abriu. Foi uma pancada e tanto. <br><br>Lembro-me também da sua primeira aula de judô, na qual ele estava com o paletó de kimono emprestado (muito surrado) e de bermuda, pois não havia uma calça que lhe servisse, sentadinho em um canto do tatame tremendo e aguardando a sua vez de aprender os primeiros golpes. Como também me lembro da sua primeira subida ao pódio de campeão regional paulista nesse esporte. Foi mágico!<br><br>Ao ver ele de mãos dadas com a Cecília vi que grande menino ele é. Maduro e equilibrado, mas de rosto maroto. Adora prender as irmãs entrelaçando braços e pernas e deixá-las endoidecidas.<br><br>Ao construir pra ele o seu primeiro carrinho de rolimã, que na verdade foi feito a partir de “trucks” de um velho skate, seus olhos brilharam! Fiz no capricho, com encosto e freio, mas não esperava que desenvolvesse tanta velocidade, a ponto de ele conseguir ultrapassar os colegas na ladeira sem ter o trabalho de dar o impulso com as mãos. O carrinho parecia ter um acelerador, pois desenvolvia uma velocidade acima do normal. Pouco tempo depois um colega pediu emprestado para que o seu pai fizesse um carrinho igual.<br><br>Levou para casa e no caminho uma senhora, juíza de menores, confiscou o brinquedo, pois representava perigo lembrando ao coleguinha que aquilo era proibido. Durou pouco seu treino de piloto de carro de corrida. Mas não ficou chateado. Foi logo procurar algumas latinhas para furá-las com a sua espingarda de pressão. Não me lembro dele abatido por uma frustração.<br><br>Ele gostava de brincar com seus bonecos dos Comandos em Ação. E quem não gostou? Com bola o seu maior esporte depois do judô foi o basquete, tanto que lhe rendeu uma tabela oficial de basquete para treinar no quintal de casa… E como treinou !<br><br>Foi para os Estados Unidos por um ano em intercambio e voltou muito mais forte do que foi, trouxe no peito o orgulho de ser campeão de Wrestling (uma espécie de luta greco-romana) do estado da Virginia. Um momento que não assisti.<br><br>Escolheu desenho industrial para estudar no Mackenzie e nem bem entrou já começou a trabalhar em uma agência que lhe rendeu muita experiência. Hoje faz a vida que lhe pertence. Casou-se com a Cecilia, uma linda jovem e talentosa que também tem a mesma formação. Que bom que falam a mesma língua! É um amigo que muitos gostariam de ter, irmão que muitos gostariam que fosse, esposo que só a Cecilia teve o privilégio e filho que te dá orgulho de ver. Honesto e divertido, trabalhador e brincalhão, responsável e dedicado, simples, inteligente, disciplinado fã de esportes e praticamente imbatível no vídeo game.<br><br>Ve-lo casado agora, passados 31 anos, me dá uma grande satisfação de dever cumprido não só pra mim como para sua mãe e para suas irmãs com quem compartilho esse orgulho.<br><br>Que Deus abençoe teu casamento meu filho porque nós já o fizemos.<br><br><br>E-mail: [email protected]