O menino e a pipa

Passava das 16h de uma tarde de verão paulistano com um calor insuportável beirando a casa dos 35 graus. Correndo de um lado para o outro no meio da rua o menino tentava a todo custo colocar a sua pipa no ar, empreendimento por demais desafiador. O vento se mostrava insuficiente para alçar o seu brinquedo confeccionado de papéis de sedas nas cores vermelho, preto e branco rumo ao céu de brigadeiro sem nuvens e de um azul tão intenso que mais lembrava um oceano manso com suas águas límpidas.
 
Da janela da minha casa no bairro do Butantã, sem compromisso, eu apenas observava aquela criança em sua busca incessante de colocar o objeto no ar.
 
Lá vai ele ladeira abaixo em disparada correndo contra o vento e soltando a linha para que a pipa, como se estivesse a desafiar a lei da natureza, tomasse o seu rumo em um céu sem limites.
 
Momentos depois ele volta subindo a rua carregando o seu brinquedo, ofegante, mas trazendo em seu semblante a certeza que mais cedo ou mais tarde consegue atingir o seu objetivo.
 
Inúmeras foram as tentativas até que o menino tem seu esforço recompensado, logrando êxito e se alegrando com a pipa em movimentos suaves como um peixe a nadar em águas tranquilas. Agora sentado ele curte aqueles instantes e soltando compassadamente a linha deixa que o vento carregue para cada vez mais distante a pipa tricolor.
 
Eu o invejei, pois sei bem como é esse instante, na minha infância eu já empinei muitas pipas, papagaios e seja lá que nome recebe a peça nesse imenso Brasil e pude passar horas de plena satisfação.
 
Olhando para o alto meus olhos já não conseguiam localizar a pandorga na imensidão do oceano celeste, aquela abóbada anil moldando o firmamento. Não resistindo à vontade e à saudade que se apossou de mim, me dirigi ao garoto para vivenciar de perto aquela sensação de alegria. O encontrei com um sorriso de moleque moldado em seu rosto, muito compenetrado. Com uma mão ele segurava a lata vazia e com a outra tocava a linha esticada que seguia em direção às alturas.
 
– Poxa, você descarregou toda a linha para ele subir – indaguei.
– Descarreguei mesmo, é a primeira vez que consigo "botar" uma pipa tão alto.
– Você parece feliz com a sua pipa, mas não pode vê-la.
– Verdade moço, de tão distante não consigo enxergá-la.
 
Mostrando a linha ele pede para que eu a toque e de imediato fala com toda propriedade:
– O importante não é ver, moço, o importante é sentir.
 
Suas sábias palavras me levaram então à reflexão, o segredo das coisas boas da vida está naquilo que sentimos, não naquilo que contemplamos.