O guarda, o fantasma e a porta do banco

Tenho muito orgulho de meu Pai, cujo nome é Elmer Ferreira Flores, e também do modo como ele conduziu sua vida, dando-nos exemplos de trabalho e hombridade. Bancário de profissão, por muitos anos trabalhou no "Bank of Boston", cuja majestosa sede ficava na Rua Líbero Badaró, no centro da capital, em um prédio que hoje em dia é ocupado por uma universidade.

A Rua Líbero Badaró era famosa – talvez ainda seja – pela concentração de bancos, financeiras e inesquecíveis cafés, que faziam parte da paisagem. Meu pai ainda costumava contar que ali, na mesma rua, estabeleceu-se há muitas décadas um famoso armazém de secos & molhados, que era a Casa Godinho, onde meu pai comprava (a preços bem mais módicos do que os de hoje) o famoso "bacalhau do porto".
"Difícil é trazer o bacalhau para casa, embrulhado debaixo do braço, cheirando dentro do ônibus"… Naquele tempo, anos 50, quase ninguém tinha carro.

Mas vamos voltar ao majestoso edifício do Banco. Meu pai contou-me que neste prédio foi instalada uma das primeiras portas de abertura automática de São Paulo, que funcionava, aliás, muito bem. O sujeito aproximava-se e numa distância de mais ou menos um metro, o sensor detectava sua presença e abria automaticamente as duas folhas de porta, possibilitando o acesso. Novidade na época, muitas pessoas chegavam a esticar o braço para empurrar a pesada porta de aço e vidro (como eram na sua maioria, as portas de bancos e edifícios comerciais na época), acostumadas que estavam com as portas "normais". No momento em que o sensor abria automaticamente a porta, alguns desavisados "tropeçavam" nas próprias pernas, pois a porta abria sem ser tocada, e iam velozmente "quicando" até pararem dentro da agência, disfarçando obviamente seu espanto com a ação da porta.

Isso era motivo para muitas risadas (disfarçadas, é claro) dos caixas do banco (dentre eles, meu pai), que chegavam a comentar: "Olha aí mais um caipira voador"! Chegavam a fazer apostas de quantos clientes entrariam "estabacados" agência adentro, por causa da ação da famigerada porta.

Mas, segundo ele contava, ninguém superava o guarda que ficava ao lado da porta do banco, que vez ou outra dava altas gargalhadas com tudo isso.

Certa feita, houve um problema na fechadura elétrica da caixa forte do banco, que ficava no segundo subsolo do edifício, e o tesoureiro, por não conseguir fechar adequadamente a porta, convocou esse mesmo guarda para virar a noite em vigilância no saguão do banco.

Dito e feito. O guardinha (cujo nome, infelizmente não me lembro) postou-se no meio do saguão do banco, sentado em um daqueles bancos altos, usados pelos caixas, e iniciou sua jornada noturna de vigilância.

Ao final do expediente, Elmer despediu-se de seu amigo guardinha, que contou que iria varar a noite em sentinela. Como brincadeira, meu pai disse: – "Cuidado com o Fantasma, hein"!… De olhos arregalados, o vigilante, sujeito simplório, indagou a razão. Meu pai emendou:
– “O fantasma do antigo tesoureiro, que faleceu há alguns anos. Morreu de enfarto trabalhando e caiu sobre a própria mesa, e às vezes costuma perambular à noite pelos corredores”. Deu uma risadinha e foi embora, pois sabia que o guarda era facilmente impressionável, ainda mais com uma lorota sobre fantasmas.

A madrugada chegou, o guarda sentado no banquinho, e de repente… a porta automática começou a abrir e fechar sozinha!!! Uma, duas, dez vezes, enlouquecida!!! O guarda gritou diversas vezes, para saber quem estava ali, sem resposta… e desceu correndo pela Líbero Badaró, em desabalada carreira! Passou por um bar, que estava abrindo suas portas, e o dono viu o guarda correndo e gritando: "É a alma do tesoureiro"!!!

No dia seguinte, descobriram que um outro problema elétrico, semelhante ao que afetou a porta do cofre, interferiu também no sensor da porta automática da entrada, fazendo-a disparar e abrir diversas vezes. E dizem que o guardinha foi visto correndo assustado pelo Vale do Anhangabaú, mais pálido do que… um fantasma!

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