Na Adega do Tio Manolo

Raimundo acabara de mudar-se para o bairro da Mooca. Humilde nordestino, desconhecendo a região, foi procurar lâmpada na adega do meu tio Manolo. Mal terminou a pergunta e foi motivo de chacota geral. Renato Marmelada, Tição e Turquinho, desocupados bebuns, velhos fregueses das batidas da casa, puseram-se a rir e provocar o baixinho. O nordestino media 1,66m de altura, apesar de ser parrudo.

Querendo tornar-se conhecido, nosso herói continuou a conversar com meu tio, o dono da tenda, evidenciando sua simplicidade. Os ociosos amigos continuavam a beberronia, provocando cada vez mais o moço de pequena estatura.

– Ó do norte, você sabe pra que serve baixinho? — indagou Marmelada.

– Não — respondeu Raimundo, com simplicidade.

– Pra levar recado a puta! — replicou o malandro, seguido de gargalhada geral.

Seguiram-se diversos impropérios: ator de microfilme, escafandrista de aquário, anão de jardim etc.

Aproveitando-se da serenidade de Raimundo, pediram mais três batidas e uma porção de salame, colocando na conta dele, forçando seu consentimento.

– Tudo bem, os amigos merecem… — aquiesceu o nordestino, querendo agradá-los e conquistar amizades.

Muito alcoolizados e aproveitando-se da placidez de Raimundo, iniciaram a brincadeira do corredor polonês às avessas, dando taponas em sua cabeça e disfarçando as mãos, girando os dedos indicadores, como a querer que ele adivinhasse quem o havia acertado.

O limite chegou. O forasteiro irritou-se. Deu duas cambalhotas para trás e, com o peito do pé, acertou o queixo de Ticão, deixando-o estatelado. Num movimento felino, com rara habilidade, fechou as duas solas dos pés no pescoço de Marmelada, estirando-o no chão, imóvel e sangrando pelas narinas. Em Turquinho, o que menos havia bebido, não pôde completar o ataque: o árabe correu velozmente em direção à rua ao receber a primeira pernada. Meio sem jeito, Raimundo mandou Manolo anotar na sua conta, aberta pelos malandros, a estimativa do prejuízo, o valor dos estragos, entregando seu cartão comercial:

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Raimundo Nonato da Silva
(Mundinho)

Mestre de Capoeira
Rei dos Bantos

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Anotações:

A Adega do tio Manuel (Manolo), ficava quase na esquina da Rua Coronel Cintra com a Rua Dom Bosco, antes havia sido uma quitanda, depois, em função do tipo de público que havia nas imediações, optou por estabelecer uma adega, que vendia petiscos e batidas.

O pessoal desocupado que recebeu essa reprimenda das artes marciais nordestinas era chamado turma do time de futebol do Paz e Sossego F. C., mais sossego do que paz. Havia também como frequência habitual a chamada turma da porca: um pessoal que militava com ferro velho, a maioria filho de espanhóis e italianos, que quando ia adquirir metais ou sucatas nas empresas, um elemento distraía o funcionário na balança, e o outro colocava um imã embaixo para diminuir o peso.

Mundinho foi mestre durante anos dessa arte, a capoeira, que fornece elementos para a história do Brasil.

O jogo da capoeira se fez presente em todos os períodos, desde a colônia. Inúmeros memorialistas e cronistas de costumes fixaram a imagem de capoeiras célebres e suas peripécias. À época do Brasil colonial, a presença da capoeira já se encontrava de tal forma sedimentada na sociedade que os capoeiras passaram a formar uma classe. Premidos pelas circunstâncias, faziam usos variados da habilidade que a arte lhes conferia. Com o emprego de diversos instrumentos de ataque e defesa, passaram a prestar serviços aos membros das classes dominantes, que deles se serviam para a execução de crimes que garantiam a continuidade no poder.

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