Por circunstâncias, tive que ir ao centro da cidade de São Paulo, exatamente na Rua Conselheiro Crispiniano, de frente ao Teatro Municipal. Iria rever o meu centro, o centro da cidade. Sempre me achei um pouco dono do centro, fora office-boy durante três anos na década de 60, o nacionalizado mensageiro, registrado em carteira de menor pela Fábrica Nacional de Vagões S/A; entregava correspondências em todo o centro da cidade de São Paulo.
Resolvi ir de ônibus até a Praça da Sé, andaria um pouco a pé, atendendo recomendação médica.
Subi no trólebus, sentei e roguei para que os "suspensórios elétricos" não escapassem mais de três vezes, iria atrasar-me ao encontro (10h00 no local).
Desci na Sé, dei uma olhada à distância. Poucos conhecidos de meu tempo, somente Padre Anchieta (perto do marco zero) e dois pseudo-pastores predizendo a catástrofe do fim mundo e blasfemando contra as prostitutas tão desejadas por eles. Pensei… O caminhar pelo centro se tornará uma aventura, mas lembrei da recomendação de um amigo: "Quem não gosta de se mover aconselha-se a ficar parado".
Segui em direção à Rua Direita, não tão direita, o trafego estava livre, no meu tempo era atravancado, o excesso de pessoas impedia a movimentação. Não é mais a rua que conheci. Cheguei à Praça do Patriarca. Assustei-me e vacilei, não deve ser aqui. Percebi! As praças envelhecem sem restauros. A praça estava vazia, notei apenas uma "estátua viva" toda pintada de cinza, seus olhos fixos imploravam moedas no chapéu a seus pés. Recordei que os mais antigos dizem que Orlando Silva (me ajuda aí Lopomo…) se apresentou em 1942 na Praça do Patriarca e havia cinco pessoas por metro quadrado nesta praça. Hoje há bem menos de uma pessoa por cada cinco metros quadrados. Explicado o desespero da estatua viva.
Segui em frente, atravessei o Viaduto do Chá, parei no semáforo, defronte ao Mappin Stores. Procurei o solidário "Guarda Luisinho", um malabarista, um "Mestre do Apito" dirigindo a bateria de pedestres. Não o encontrei. Nem o Zezinho. Nem o Huguinho, muito menos o Tio Patinhas. A riqueza seguiu para a Avenida Paulista. O Mappin agora é Casas Bahia… dedicação total a você. Na porta (9h45min), edredons fétidos, mantas urinadas, cobertores rasgados, cobrindo e resguardando baianos, mineiros, gaúchos e nordestinos, os quais dormiam o sono dos injustos. Havia mendigos de Cuiabá, Londrina, Recife, até de Várzea Paulista. Ninguém ousava tirar aqueles excluídos de seus confortos.
Virei à esquerda, Rua Conselheiro Crispiniano, o local agendado. Na outra porta, a lateral do Mappin, na ex-saída das "mocinhas" com seus "tailleurs" verde-petróleo e o broche da empresa preso ao traje, havia mais pobres, agora internacionais. Com feições indígenas, os bolivianos. Seguravam suas crianças no colo, o moco escorrendo pelas narinas atravessando os lábios encardidos. Vieram com a fome de sempre e hoje têm a certeza de terem encontrado.
As lojas G. Aronson fecharam. O Sr. Giz, aquele, equilibrava a peruca, e vendia descontos e eletrodomésticos. Preço à vista em três vezes. Não está mais lá. Subiu. Localiza-se agora em algum núcleo espiritual, em cima de Jerusalém. Hoje as compram são feitas ao lado, na Bahia. Pagam o preço à vista pelos olhos da cara, em crediário a perder-se o prazo. Tudo mudou.
Notei a Galeria Olido, estava uma belezura, é um prédio da Prefeitura. Ao lado a Galeria do Rock, pela assiduidade, baixa frequência e com Elvis e Lennon mortos, está mais pra galeria do Roque.
Outros edifícios são difíceis de entrar. Há catracas, câmeras ocultas, tiram fotos, tiram tudo. Entra-se com uma mão na frente, outra tampando atrás. Que medo! Não há mais moças com coxas roliças de mini-saias, agora vestem calças jeans, tênis e cigarros acesos nos dedos. Soltam baforadas aflitas procurando os "Homens Sanduíches" aglutinados, e os anúncios… de vagas: Admite-se. Precisa-se. Procura-se. Aceitam empregos com direito a cestas básicas e tapinhas nas costas.
Resolvi comer algo. Estava com saudades e senti fome. Lembrei as esfirras duplas, naqueles expositores de vidro, iluminados e quase asseados. Esfirras com azeite de dendê e bastante limão. Em seguida, gordura escorrendo pela boca. Eram leais, fiéis, não nos abandonavam. Havia diálogo. Conversava com elas até o final do expediente do escritório. Pararam de fazer. Foi substituída por um tal de "Dogão". Cachorro quente com molho vinagrete, cheddar, requeijão, frango desfiado, cenoura ralada, ervilha, milho verde, batata palha, queijo ralado, e pavimentado com purê de batatas, o que lhe dá um aspecto de bloco de barro cozido. Não iria ingerir aquilo, preferi salsichas simples. Fui ao Largo do Café encontrar a "Salsicharia do Povo". Não havia povo na porta. Entra-se fácil. Deparei com salsichas simples, pálidas e sem pele. Tudo foi trocado. Não se trocam mais figurinhas no Largo do Café. Abaixei a cabeça, curvei o tronco e retornei.
Ligeiro ao ponto de ônibus na Praça da Sé. Passei rapidamente pela Praça João Mendes provar o que de antigo ainda restava, uma coxa creme na Padaria Santa Tereza. Mais doses de espanto foram adicionadas à minha caminhada. Raparigas de calças justas, sem retirar as curtas, cobram R$5.00 (cinco reais). O preço de uma chupeta exposta na vitrine da farmácia ao lado. Pelo risco de infecção, de graça é caro. Havia muitas abordagens a essas moças de vida difícil, estão sobrando desesperados no centro da cidade.
Consultei o relógio. Iam vencer as duas horas do bilhete único. Resolvi voltar. Retornei rápido ao ponto de ônibus.
O centro da cidade não me pertence mais… Tudo mudou. Nada ficou no lugar. Até as "Mulheres Paraíba" do Bar do Pilão, na Galeria Dom José, agora são lésbicas, e os veados da Praça da Republica agora são gays…
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