Hoje acordei com uma bruta dor de cabeça. Daí alguém me disse:
– Seja forte. Deixe de ser “maricas”!
Há quanto tempo não ouvia isso, essa expressão, que, acho, a minha avó usava muito. Minha avó mesmo. Afinal aqueles eram tempos de machos, machões, que não se permitiam sentir dor, muito menos chorar, inviabilizando qualquer ameaça de existência de um fracote, um maricas, como diria minha avó.
Mas foi-se o tempo e até mesmo a expressão. As coisas mudaram e muito. E de pensar nisso, agora é que caiu a ficha.
Taí, mais uma: cair a ficha. Uma expressão totalmente démodé. Puxa, démodé, essa é demais. Uma palavra meio que boko moko, que assim como o próprio Boko Moko (lembra dele), aquele boneco brega, cafona, totalmente out, já tá pra lá de Bagdá, ou de Marrakesh, ou mais em moda ainda Bali ou Beijing, antiga Pequim, cidades tão distantes de nós, mas em maior evidência que Bagdá, bombardeada pelas tropas americanas e pelos homens-bomba.
Mas voltemos ao cair a ficha. Eventualmente ainda ouvimos essa expressão nas conversas do dia-a-dia. Para os que a usam, a ficha ainda não caiu. Afinal os telefones públicos, vulgo, orelhões, já há tempos se adaptaram à moderna tecnologia dos cartões magnéticos e não o bastante, todo mundo hoje possui seu prórpio cellphone, mesmo que seja pré-pago.
Eu mesmo não uso mais essa tal expressão – cair a ficha. Não quero correr o risco de queimar o meu filme. Taí, mais uma expressão desatualizada por obsolescência tecnológica. Quem ainda tem maquina fotográfica de filme? Todo mundo adotou as modernas máquinas digitais, mesmo que sejam de modestos 3.2 megapixels. Portanto, queimar o filme é algo que já habita a memória de nosso passado, do século XX.
Inda outro dia, um amigo com dor de barriga me disse que ia passar um fax. Recomendei que visse antes se na máquina, digo, no banheiro havia papel. Mas, pensei depois: taí, mais uma expressão fadada ao desuso, também vítima do atropelo do avanço da ciência. Não seria melhor ele passar um e-mail? Até quem sabe em um banheiro wi-fi, com um mouse sem fio, bluetooth.
Outra expressão muito usada na linguagem coloquial, mas hoje totalmente obsoleta pelos avanços tecnológicos é “em casa de ferreiro, espeto é de pau”. Aos ouvidos dos mais jovens, soaria totalmente esquisito. Para fazê-los entender, talvez melhor dizer: “em casa de analista de sistemas, máquina de escrever”. E olhe que talvez nem assim entendam o que venha a ser a tal máquina.
Lembro de expressões que também já fazem parte do passado, não por obsolescência técnica, mas sim por mudanças climáticas e ambientais. Por exemplo: “a vaca foi pro brejo”. Difícil encontrar nos nossos dias a existência desses agrestes e naturais locais: os brejos. Portanto a expressão deve ser devidamente substituída por “a casa caiu”, mais condizente com as conseqüências dos cataclismas, decorrentes da intervenção humana na natureza, causa mesma da destruição dos brejos.
E já que estamos falando de cataclismas, outra expressão dessa categoria é “chover a cântaros”. Essa ainda é do tempo da “São Paulo da garoa”. Só que, com o incremento da infra-estrutura urbana em prol do conforto caseiro, propiciando água encanada a todos os lares, esses utensílios, os cântaros, foram praticamente extintos. Assim, mais adequado usar a expressão: “chover canivete”, que, além de mostrar igual intensidade da primeira, também se alinha com mais propriedade ao atual estado de violência em que vivemos em nossa “São Paulo das enchentes e dos assaltos”.
É minha gente! A coisa muda, e rápido. E se a gente não acompanhar o andar da carruagem, corremos o risco de perder o bonde do progresso. Sentiram o drama? Então que tal um exercício de atualização na frase anterior, ou melhor, um upgrade na sentença? Por exemplo: andar da carruagem, poderíamos trocar por velocidade do automóvel. Bonde do progresso: por shinkanzen, o trem-bala japonês, infinitamente mais moderno e veloz, condizente com estes tempos de incessantes correrias. Assim, reescrevendo a frase: se a gente não acompanhar a velocidade do automóvel, corremos o risco de perder o shinkanzen. Ficou muito mais high-tech, né, não?!
Mas não é só a tecnologia e o meio ambiente que se alteram. Os hábitos e costumes também mudam. E como! Por exemplo, no nosso tempo, namorávamos, noivávamos e casávamos. Hoje os jovens vão ficando, ficando, ficando… E, acabam juntando. E dá-lhe ajuntamento. De tudo que é tipo. Bem diferente dos áureos tempos, que era só de uma modalidade: homem com mulher.
E filho então, só existia um meio de fazê-los. E gostávamos muito de praticá-lo. Hoje, o rebento nasce de várias maneiras. É inseminação artificial in vivo, in vitro, fecundação extracorpo, nenê de proveta, barriga de aluguel, etc. Porém vale lembrar aos mais conservadores e tradicionais que ainda perdura o método convencional.
Mas esse tema sobre hábitos e costumes, além de não ser nosso objetivo, pode tornar as discussões acaloradas e no meio de tantos defensores fervorosos de opiniões dispares, não sou eu quem vai pôr lenha na fogueira, ou mais atual, deixar a chapa esquentando.
Convém, portanto, que fiquemos só na superfície, ao nível das conjecturas sem maiores conseqüências. Mera curiosidade de alguém curioso, que não quer meter a mão em cumbuca quente e nem meter o nariz onde não é chamado, para se poupar de ser o pato da vez, vítima de algum conto do vigário, ou de algum spam, spyware ou Trojan Horse via internet, afinal, em rio que tem piranha, jacaré nada de costas, um homem precavido vale por dois e o seguro morreu de velho.
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