Maria-Fumaça (Cantareira)

Comecinho da década de 60, o moleque (eu), pré-adolescente, percorre caminhos até então desconhecidos. Descendo a João Teodoro, surpreende-se com a bela e enorme chaminé da "Força Pública" e, esquina da Cantareira (em frente ao Liceu), depara com a estação Tamanduateí, do "Trem da Cantareira". Agradabilíssima descoberta! "Estaçãozinha", como as do Interior! Marias-Fumaças resfolegando! Do lado oposto, pátio das oficinas, o Rio Tamanduateí e a ponte de ferro sobre ele. Quanta paisagem nova (para mim, à época)!
É que, morando no lado oposto da Cidade, em Vila Mariana, íamos (daí por diante, várias vezes) passear em Gopoúva (bairro de Guarulhos), casa de parentes. Interessante que, antes do advento da "região metropolitana", algumas das cidades circunvizinhas eram como que "subúrbios", em relação a São Paulo. Era o caso das estações ao longo do ramal de Guarulhos, da E. F. Sorocabana (tramway da Cantareira).
Carros de passageiros, de cor verde (como verdes também algumas locomotivas diesel), logotipo E.F.S., uma grande porta central só, de correr; bancos longitudinais, ou seja, passageiros uns de frente para os outros; chefe-de-trem, anunciando paradas e picotando bilhetes; paisagens até bucólicas, estações pequenas, como de cidadinhas interioranas. Uma viagem, enfim, espetacular!
A composição cortando a Cruzeiro do Sul, bem no meio da via, lembrando, grosso modo, a linha de bondes de Santo Amaro. O "enorme" Rio Tietê, seus remadores, a ponte sobre o rio; uma fábrica de papel e suas duas chaminés (hoje, ainda de pé, mal cuidadas) e, próxima, uma fábrica de tapetes, hoje o Arquivo do Estado (chaminé bem preservada). A estação "Areal", bifurcação dos ramais, e ponto de cruzamento de composições. E o "trenzinho" prosseguia, também pelo "meio da rua", na Ataliba Leonel – do mesmo modo como fazia (conheci tempos depois) o trem na Alfredo Pujol (do outro ramal), até o CPOR, onde virava, rumo a Santa Teresinha…
Como não se impressionar com o colosso arquitetônico, os prédios da Penitenciária? E a vegetação, bela, adjacente…
Vila Paulicéia, Parada Inglesa (de onde se avistava, ao longe, na Ataliba Leonel, a "fábrica" de um nome de sabor refrescante e de cor alaranjada: Crush, aquele das garrafas "enrugadas", corrija-me, porém, alguém da região, se for equívoco meu).
Tucuruvi! Porteira, na avenida de mesmo nome, detendo o trânsito, carros, ônibus (107 – Tucuruvi), caminhões, pedestres. Guarda-cancela alerta! Estação também de muito movimento e cruzamento de composições, lembram-se? Já que a linha era uma só, para exercer o sagrado de ir-e-vir. Inclusive o do trem!
E lá ia o trem, descendo como que um "retão", um vale entre a Avenida Mazzei e a então "Estrada do Guapira", não? Vila Mazzei e Jaçanã, do trem das onze e de outras horas também. Que majestosa, tão próxima, a espetacular Serra da Cantareira! E entramos em terras guarulhenses, passando por Vila Nilo, ao transpor o (rio?) córrego Cabuçu: Vila Galvão.
Subseqüente, uma estação de nome cuja origem desconheço: "Torres Tibagy". O que significa? Alguém pode dizer? Lembro que, pelo menos à época, famílias para lá iam, de trem, em fins-de-semana, "fazer piquenique", como se dizia…
Pouco à frente, o destino: Gopoúva. Nome que evocava, de pronto, a localização da verdadeira "cidade" que era o então Sanatório Padre Bento. Estaçãozinha à beira da Avenida Emílio Ribas (à época, estreita pista de paralelepípedos), por onde passavam os ônibus verde-e-amarelo da E. O. Guarulhos, para Vila Galvão. Dali, a composição seguia para mais duas derradeiras localidades (estações): Vila Augusta e Guarulhos, propriamente. Isso quando não continuava até a base aérea de Cumbica, conduzindo militares. Pois os trilhos iam até lá.
E, à hora do retorno para São Paulo, fato interessante. De Gopoúva, onde estávamos, ouvíamos o barulhão de dona Maria-Fumaça, em Vila Augusta! E os altos rolos de fumaça prenunciavam sua "rápida" chegada! Dava tempo, entretanto, de caminhar até a estação de Gopoúva e comprar os bilhetes… E era o mesmo encanto, a viagem de volta: agora, o trem mergulhado na noite, luzinhas ao longo da via…
O trenzinho saiu dos trilhos, entrou na memória paulistana. Tornara-se obsoleto e nem por isso perdera a majestade… Dona Maria-Fumaça ainda resfolega, eternamente, no coração da cidade! Seu farolzão rompendo o nevoeiro e a garoa paulistana…

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