Simpática, a moça com a tez levemente amorenada cortava mais uma fatia de manga naquela sexta-feira. Era um convite ao prazer e à vida, certamente. A sua barraca de frutas ostentava algumas outras delícias perfumadas: pêssegos que soltavam caroços, uvas Niágara, limões dispostos em bacias já um tanto surradas pelo tempo. A feira estava ainda vazia. Muitos espaços para os carrinhos e sacolas e a freguesia ainda andava calmamente escolhendo as iguarias. Mas à frente da barraca do pastel as pessoas já buscavam, sorridentes, o seu lugar, saindo dali felizes com os seus pacotinhos quentes e perfumados para casa: pastel de queijo, carne, frango, palmito…
É inevitável o olhar e o sentir os detalhes de uma viagem. Os novos sabores, os novos rostos. O novo é a matéria-prima mais indispensável em uma viagem, principalmente aquela de regresso ao berço que um dia se deixou vazio. Nada mais fecundo que estar em São Paulo, porém em um local de menos movimento. Os olhos se abrem mais. O interesse e a curiosidade se aguçam de forma espetacular, vibrando e amando cada partícula da realidade possível. E a moça, calmamente, atrás da sua barraca de frutas. Aquela manga que ela carinhosamente zelava e vendia eu desconhecia. Perguntei. Com olhar naturalmente afetuoso, a moça respondeu: "É manga Lolita". Uma senhora japonesa ouviu o breve diálogo, virou-se delicadamente para o meu lado e falou baixo: "É docinha".
Comprei algumas, fascinada pelo odor e pela cor intensamente alaranjada, tenra e perfeita. Em casa eu, de imediato, me pus a descascar a fruta e percebi que entre a casca e a polpa havia algum mistério. Alguma magia perdida do tempo. Ah! O tempo! Sempre guardando almas que teimam em falar pausadamente, ensinando que a vida pode ser suave como uma onda do mar que vem agitada e decidida e termina naquele leve sussurro em uma praia calma. O que será que os portugueses pensaram ao trazer a manga para a América quando estiveram na Índia prontos para conquistar aquele espaço? Na tentativa de colonização do século XVI, com a justificativa de disseminar a fé cristã, os portugueses buscavam mercado, se impondo febrilmente sobre povos que, sentenciavam: "São de uma raça inferior, pois são infiéis".
Mas trouxeram a manga na bagagem. Acabaram distribuindo os caroços pelas novas terras conquistadas, marcando território. Exuberante, a mangueira frondosa e capaz de acolher pássaros nas suas variadas cores marca presença na entrada do Museu da Imigração convidando a pensar sobre as suas origens, as suas causas. Da Índia, a manga foi se aclimatando, até fazendo parceria com a cultura lusitana: foi se ramificando, permitindo brotar da natureza outras "qualidades", como a minha avó gostava de dizer. E nada mais sentimental e honroso que partilhar um pedaço da fruta!
Sempre gostei de descascar uma manga bem grande e ir fatiando. Sentados à grande mesa retangular, na cozinha da casa da Vila Sônia, eu ofertava um naco para a minha sogra. O pedaço ia espetado na ponta da faca. Imediato, eu cortava outro pedaço e, também na ponta da faca, eu ofertava para o meu sogro, do outro lado da mesa. O terceiro pedaço era meu. Partilhar uma manga tem uma sonoridade específica, mágica, encantadora. O mesmo que dividir a história de uma vida. E dela fazer um doce macio e deixar gelar para depois colocar em um vidro e levar para a casa da tia. Parece que a alma, quando fatigada, vai se acomodando carinhosamente no corpo, achando o seu lugar no conforto mais desejado, repousando, meditando e sorrindo com as andanças da vida… E do tempo.
P.S.: A presença de mangueiras no morro próximo à residência dos imperadores Pedro I e Pedro II, na Quinta da Boa Vista, deu origem ao nome Morro da Mangueira, um dos redutos mais famosos do samba carioca, a Estação Primeira de Mangueira.
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