Como não poderia deixar de ser, as minhas últimas férias em São Paulo em dezembro foram agraciadas com uma especial visita à Padaria Santa Tereza, na Praça João Mendes, 150.
Tempos atrás escrevi nesse site sobre ela, mas o encantamento que sinto ao adentrar a loja me faz pensar mais, ter o prazer na escrita e o imenso desejo de valorizar a memória dos nossos conterrâneos, os detalhes de um local tão belo e que cheira a tradição e outros tempos da velha capital.
A padaria Santa Tereza é considerada uma das mais antigas do Brasil. Foi fundada em 1872, época de prosperidade, especialmente em São Paulo, em função da grande produção e exportação do café. Naquele tempo, os grandes proprietários rurais – os barões do café – tinham consciência da sua importância política e econômica, afinal o café movimentava a nossa economia como nunca, provocando grandes modificações no cenário nacional. Esses grandes proprietários rurais criticavam abertamente a Monarquia, buscando o ideal republicano como meio de o país chegar a uma melhor e mais rápida condição de progresso.
Nesse tempo, foi criada a padaria, na Rua Santa Tereza, um local que desapareceu com as obras de remodelação da Praça da Sé. Na década de 1940, a mesma foi transferida para a Praça João Mendes, atrás da belíssima e histórica Catedral, felizmente resistindo a mudanças nos hábitos alimentares, mantendo vivas as tradições gastronômicas dos paulistanos. Na sobreloja funciona um restaurante, e, nas paredes, fotos da São Paulo antiga, espaço onde, certamente, muitas lembranças e curiosidades afloram entre os clientes, provocando intermináveis conversas, muitas acaloradas.
O local onde hoje funciona a padaria era a antiga residência do Dr. João Mendes de Almeida, renomado jurista, político, jornalista e líder abolicionista, um dos redatores da Lei do Ventre Livre, de 1871. Apesar de monarquista ferrenho, o Dr. João Mendes era contrário à escravidão. A Lei do Ventre Livre garantia que todos os filhos de escravos nascidos no Brasil a partir daquela data seriam livres. Embora a realidade social dos negros no Brasil fosse por demais perversa desde o passado colonial, essa lei poderia, na ocasião, se traduzir como uma leve esperança de, um dia, se conquistar a liberdade, afinal, no século XIX, os debates pela causa abolicionista ganhavam corpo, junto da brilhante poesia de Castro Alves e dos debates promovidos pelos estudantes de Direito, sobretudo do Largo São Francisco.
E essa padaria tem a cor da alma paulistana, carregada de uma história repleta de mudanças, nem sempre rápidas como o andar da cidade. Tem uma mistura de leveza, suavidade e poesia indiscutíveis.
E ali trabalha o sr. Pedroza. Foi o segundo ano consecutivo que fiz questão de ser atendida por ele, lá no fundo do estabelecimento. Mais uma vez ele cumprimentou a mim e ao meu filho, pegando a nossa mão e disse que se lembrava de nós, da visita do ano anterior. Contei que escrevi sobre ele no site São Paulo Minha Cidade, num texto publicado no ano passado, expliquei o que isso representava e ele, timidamente, chegou a corar. Eu disse que ele tinha ficado importante, pois havia saído num site vinculado a SPTuris. Brincando, ele perguntou se não precisaria mais pagar o IPTU, já que ficara conhecido da prefeitura. Como sempre, fomos muito bem atendidos, com pizza, esfirras e Fanta laranja. Enquanto nos deliciávamos, ele teve que ir atender ao andar de cima e nos deu satisfação disso.
Ao final da refeição fomos procurar pelo sr. Pedroza. Perguntei a um colega e o mesmo respondeu: "o Pedro está lá em cima". Esperamos para que pudéssemos nos despedir. Depois de alguns minutos ele desceu de elevador carregado de grossos pedaços de mussarela. Largou o queijo numa bancada. Com um sorriso despretensioso de quem trabalha há 37 anos no mesmo local, conhece bem sua clientela, nos despedimos amigavelmente com um sorridente e cordial "até o ano que vem".
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