Juca Pato – Um Paulistano

O artista tem que viver entre o povo, embora não deva fazer concessões à popularidade. Ser popular não é o mesmo que ser vulgar. O "xis" da questão está em tomar um assunto complicado e difícil, digeri-lo, simplificá-lo e torná-lo acessível ao grande público. Resumir numa charge, por exemplo, um problema econômico ou financeiro, eis o ideal (…) fazer arte para ser entendido por algumas pessoas é criar uma aristocracia artística.

Belmonte

Benedito Bastos Barreto, o Belmonte, caricaturista, desenhista, escritor, historiador, pintor e jornalista, morreu na madrugada de 19 de abril de 1947 no Hospital São Lucas, e foi sepultado naquela tarde chuvosa, no cemitério São Paulo.
Nasceu em 15 de maio de 1896, na Liberdade, bairro da cidade de São Paulo, onde viveu durante seus 51 anos. Gostava de dizer que era um Paulista Paulistano da gema. Belmonte publicou seu primeiro desenho aos 17 anos, nas revistas Rio Branco, Alvorada, Zig-Zag e D. Quixote.
Sem ter decidido pela carreira de caricaturista, conciliou por algum tempo a atividade com a de estudante de Medicina. No dia do exame final, quando deveria ingressar definitivamente na carreira, saiu para remar no lago do atual Parque da Aclimação e optou pelo jornalismo.
Aos 25, entrou para a Folha da Noite, onde permaneceu até 19 de abril de 1947, quando morreu vitimado pela tuberculose. Foi nesse jornal que lápís e papel se transformaram em armas, segundo ele mesmo, contra "todos aqueles que contribuem de uma forma ou de outra para a desorganização e anarquia tão acentuadas nestes últimos tempos".
Nos anos 1920, a São Paulo de Belmonte era uma cidade que crescia a todo o vapor, ou melhor, a todo quilowatt. A energia elétrica impulsionava o crescimento urbano e os ares de modernização se instalavam na paulicéia. Novos bairros, novos jornais, novos serviços públicos…
A Ligth, detentora do monopólio da energia elétrica e do transporte coletivo, também vivia seus dias de expansão. Mas nem tudo era glória para a poderosa empresa canadense. Seus serviços já não atendiam à demanda da "cidade que mais cresce no mundo", motivo mais que suficiente para receber constantemente críticas e charges do mordaz cartunista.
Foi nesse contexto que Belmonte criou, em 1925, seu mais famoso personagem: o Juca Pato – baixinho, careca, óculos de tartaruga, fraque, polainas e gravata borboleta -, cidadão da classe média massacrado pelos políticos, pelas autoridades, sofrendo os problemas urbanos e os serviços públicos, principalmente relativos à Ligth (falta de bondes, de iluminação, buracos nas ruas, contas de luz absurdas).
Juca Pato tornou-se um símbolo do homem comum que não se conformava com os que queriam espezinhá-lo. Juca representava o cidadão comum, trabalhador, honesto, pagador de impostos, perplexo, irritado e às vezes apopléctico contra os desmandos do custo de vida, da burocracia, da corrupção política e da exploração do povo.
A simpática e bem-humorada figura de Juca Pato falava a linguagem popular – virou nome de cavalo de corrida, caderno, cigarro, água sanitária e do inesquecível Bar Juca Pato, no centro de São Paulo, ponto de encontro da boemia paulistana, principalmente dos artistas de teatro, rádio e jogadores de futebol.
Além de criar personagens, Belmonte também ilustrou livros de Monteiro Lobato e uma edição brasileira de "O Primo Basílio", de Eça de Queirós.
Em 1962, por sugestão de Marcos Rey, então segundo secretário da União Brasileira de Escritores, foi criado o "Troféu Juca Pato". Este prêmio seria dado ao melhor livro publicado no ano e, o autor, receberia o título de "Intelectual do Ano". E por que Juca Pato? Porque Juca Pato era figura inteligente, careca, mal vestida num fraque, sempre se defendendo dos apertos, tal qual a maioria dos escritores que ganham pouco e lutam bastante para publicar seus livros.
O Troféu Juca Pato, a maior láurea do país conferida a um escritor nacional, pela sua importância e tradição, merecerá, quando atingir os cinqüenta anos de existência — o que está próximo —, um livro, contando a história pormenorizada dessa personagem, que saiu das páginas do jornal, transformou-se em troféu para consagrar intelectuais, e jamais pensou em morrer…
Uma das características de Belmonte era o amor que dedicava à capital paulistana, de onde nunca se afastou, nem mesmo doente. Amor de todas as horas, demonstrado em todas as oportunidades, a propósito de qualquer coisa e até de coisa nenhuma. Dez dias antes de sua morte, pediu ao amigo repórter Nelson Wainer que o acompanhasse num passeio pelos pontos mais característicos da cidade. E lá se foram, de automóvel, pela noite adentro, visitando as avenidas iluminadas, os monumentos distantes, os arranha-céus que estavam nascendo nas novas ruas abertas pela Prefeitura. Era a última visita, dizia ele. Não queria morrer sem ter na retina as imagens da sua cidade de São Paulo. A cidade que tanto amou.
Com seus desenhos de traço limpo e riqueza de detalhes, em pouco tempo Belmonte ganhou projeção internacional. Porém, o auge de sua carreira foi em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial (1938 – 1945), quando suas charges sobre o conflito e sobre Hitler provocaram a ira de Goebbels, ministro da Propaganda do chefão nazista, que o atacou violentamente pelo microfone da Rádio de Berlim. "Certamente", disse Goebbels, "o artista foi pago pelos aliados ingleses e norte-americanos".
Criou Juca Pato, tão paulistano quanto o Viaduto do Chá. Deu corpo ao Jeca Tatu, feliz parceria com Monteiro Lobato. Juca e Jeca, indispensáveis e fundamentais para a compreensão do homem brasileiro – escreveu Jaguar.
Belmonte ficou na história como um grande caricaturista; publicou vários livros de crônicas e álbuns de caricatura, mas seu talento vai além: no ensaio "Nos tempos dos Bandeirantes", ele se revela também pesquisador minucioso da história de São Paulo e sua gente.
Publicou as seguintes obras: "Angústias de Juca Pato" (álbum de caricaturas); "O amor através dos séculos" (álbum de caricaturas, edição de luxo); "Assim falou Juca Pato" (crônicas humorísticas, edição da Companhia Editora Nacional); "A cidade do Ouro" (livro para crianças); "Idéias de João Ninguém" (crônicas humorísticas, edição da Livraria José Olimpio Editoria); "No reino da confusão" (álbum de caricaturas); "Música, maestro!" (álbum de caricaturas); "A guerra do Juca" (álbum de caricaturas); "No tempo dos Bandeirantes" (livro de histórias, duas edições do Departamento de Cultura e duas da Cia. Melhoramentos).

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