Isabela não gostava de história. Não se interessava por fatos curiosos, interessantes, coisas que a nossa cidade tem aos montes.
“- Nesta praça Isabela, muita gente já foi enforcada…”
“- Vê aquela marca na chaminé? Foi um tiro de canhão em uma antiga revolução… já faz quase 100 anos!”
“- Naquela casa Isabela, o imperador dormiu muitas vezes com sua amante…”
“- Tá vendo este edifício? Foi o primeiro arranha-céu do Brasil.”
Minhas citações, enquanto vagávamos pelas ruas de São Paulo, faziam com que Isabela assentisse com uma cara de interesse, mas no fundo devia se perguntar pra que servia saber aquelas coisas.
Numa ensolarada manhã de sábado saímos rumo a Florêncio de Abreu. Precisava comprar algo que já não lembro mais.
Ao passar defronte o Mosteiro e Abadia de São Bento, rememorei um cem número de coisas que aquele lugar representa para mim e pra esta cidade. Contive-me em comentar, afinal tínhamos muita pressa e pra que Isabela ia querer saber se ali fôra a taba do Tibiriça ou se os Monges ali cantam cânticos gregorianos?
Naquele exato instante, segurou-me pelo braço e puxou-me em direção a porta da Abadia:
– Vamos entrar, quero conhecer esta igreja!
Estranhei tamanho entusiasmo, mas concordei imediatamente apesar do pouco tempo disponível… Sábado as lojas fecham cedo.
Ao entrar na Abadia, notei um clima diferente das vezes que estivera por lá. Estava cheia de gente e um caixão repousava mais ou menos ali onde ficam os restos do Raposo Tavares. Missa de corpo presente? Em São Paulo? Isso não existe mais… Será alguma personalidade?
Duas dezenas de monges ladeavam o caixão e um grupo deles se destacou, levando-o aos ombros. De repente, reparo que uma enorme porta a esquerda se abre. Nunca vira aquela porta aberta. A luz do sol invade o átrio da abadia.
Descubro que é a porta que leva ao pátio central do mosteiro, um dos sítios mais antigos desta cidade ainda preservado e acessível em situações muito especiais.
Ao cruzar aquele portal, senti como se também tivéssemos voltado no tempo uns 300, talvez 400 anos.
Pequenas placas ao pé das paredes, antiquíssimas, revelavam nomes e datas, mostrando-me que se tratava também de um cemitério centenário.
Demos a volta ao pátio, o caixão foi depositado no chão, seguiu-se uma oração para em seguida ocupar sua última morada.
Acabávamos de presenciar o enterro de um monge do Mosteiro de São Bento.
Saí de lá atônito e acreditando que anjos existem e um deles de plantão defronte a abadia intuiu a desinteressada Isabela a nos proporcionar experiência tão marcante e comovente.
Ah… a tal compra ficou pra outro dia!