Estudei no Grupo Escolar São José, no bairro do Ipiranga, no ano de 1948.
Naquela época, por aquelas redondezas ainda era muito despovoado, havendo ainda muitos terrenos baldios. A Avenida Nazaré era pavimentada apenas do lado direito, sentido de quem vai para o Sacomã, e o asfalto era de má qualidade. O trecho pavimentado chegava somente até a Rua Moreira de Godoy. O restante da avenida, após o número 900, era somente de terra e não existiam duas pistas, era tudo uma coisa só.
Nesta mesma avenida, ficava o ponto final do bonde 4 - Ipiranga, ao lado do Colégio Nossa Senhora da Glória, que antigamente chamava-se “Seminário das Educandas”, próximo à Rua Moreira de Godoy e o Instituto de Cegos Padre Chico.
O bonde Ipiranga vinha do centro da cidade, tinha o ponto de partida na praça João Mendes, defronte o prédio do fórum - que naquela época ainda estava em construção. Antes, o ponto de partida era na praça da Sé.
Pois bem, assim que o bonde 4 - Ipiranga e também de outras linhas, como 32 - Vila Prudente, 23 - Fábrica, 33 - Sorocabanos, saiam da Praça João Mendes, e seguiam rumo ao bairro entrando pela Rua Conde do Pinhal, Rua da Glória, Largo do Cambuci, Rua Independência, Avenida Dom Pedro I, Rua Tabhor e Rua Bom Pastor.
Outras linhas de bonde seguiam pela Rua Sorocabanos. O 4 - Ipiranga continuava pela Rua Bom Pastor até chegar na Rua Moreira e Costa, e entrava a direita até chegar na Avenida Nazaré, onde fazia a penúltima parada na esquina, onde atualmente é o Bar do Maninho.
Alguns meninos que seguiam com destino às aulas, esperavam os passageiros descerem, e subiam no estribo do bonde, para ter o prazer de seguir apenas um pequeno trecho sem pagar.
Aproveitavam a distração do cobrador, que na maioria das vezes ficava de conversa com o motorneiro. Então pegavam uma carona até o bonde chegar ao ponto final. Ficavam sempre atentos com o cobrador. Quando viam que este se aproximava, pulavam do veículo mesmo este estando em movimento.
O termo usado pela molecada daquela época era “chocar o bonde”. Isto é, ir de carona até um determinado lugar sem pagar passagem.
Uma ocasião, para acompanhar outros meninos, fiz isto, e, quando o bonde estava quase chegando próximo ao Grupo Escolar, pulei do coletivo em movimento. Resultado: sofri uma queda tremenda, me sujando todo de terra. Incrível que os passageiros que aguardavam a chegada do bonde, não deram nenhuma atenção quando estava caído no chão e com a mala escolar ao lado. Ninguém veio perguntar se eu estava machucado ou não! Acho que criança não tinha muita importância naquela época.
Felizmente não aconteceu algo pior e fatal.
Na volta, encontrei com uma menina chamada Iracema, filha de uma senhora alemã e pai português, que eram nossos vizinhos.
Iracema estava a caminho do Grupo Escolar, estudava no período vespertino. Narrei tudo o que havia me acontecido, e porque estava com o uniforme daquela maneira, todo sujo de terra.
Ela ficou assustada e até achei seu comentário engraçado quando me disse: “E o bonde não passou em cima de sua cabeça”?
Vejam que inocência, se houvesse acontecido isto não estaria contando o fato a ela!
Para o Alto do Ipiranga, existia apenas uma linha de ônibus, que também vinha do centro da cidade e passava defronte ao Grupo Escolar São José. Eram os ônibus 22 - Alto do Ipiranga, pintados de uma cor alaranjada com motor na frente. Faziam o ponto final nas proximidades da Rua Vergueiro e Santa Cruz.
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O primeiro dia de aula no Grupo São José
Um dia antes de iniciarmos as aulas, minha mãe foi me levar até o Grupo Escolar, pois haveria uma reunião com os pais e alunos. Todas as regras que deviam ser seguidas durante todo ano letivo, seriam esclarecidas.
Quem iria dar todas as instruções, era a diretora dona Laura Prestes Barros, pois assim era o seu nome.
O local estava lotado. A maioria eram mães de alunos. Todos aguardavam ansiosos para ouvir o que a diretora tinha a dizer. Devido à mistura de vozes e o tagarelar alegre da criançada, o barulho ia se tornando cada vez maior naquela manhã de verão que, apesar de quente, estava um tanto agradável devido uma suave brisa que soprava e que chegava até nós.
Muitos se protegiam do sol embaixo das copas das enormes árvores que existiam, e que ainda existem dentro do pátio deste prédio.
De repente, pararam os vozerios e alguém avisou que havia chegado a Diretora. Tornou-se então um grande silêncio e todos ficaram atentos para ouvirem tudo o que a diretora havia de dizer.
Subindo sobre um pedestal, que estava preparado debaixo de uma daquelas árvores frondosas, dona Laura cumprimentou a todos com um bom dia.
O silêncio foi total e ela num curto discurso, foi ditando todas as normas do colégio.
Em suas palavras, não havia brincadeiras e nem se quer um pequeno sorriso. Enquanto fazia a prédica, ditava todos os deveres com firmeza e austeridade.
Havia naquela época, muita severidade e uma das advertências da diretora foi que, se algum dos alunos chegasse atrasado teria: “Portão Fechado,” e que o uso do uniforme era obrigatório tanto para meninos como para as meninas.
Os meninos, calça azul marinho e camisa branca, as meninas avental branco sobre o vestido e fita branca no cabelo.
Quem fosse sem uniforme, não entraria em aula.
Dona Laura possuía na diretoria um sino manual, que era para anunciar os horários, tanto para saída do recreio, como para anunciar o término das aulas.
Havia também outra senhora que trabalhava na diretoria do grupo escolar. O nome dela era Dona Laís. Esta também era muito enérgica, tanto quanto Dona Laura. Ambas não toleravam alunos rebeldes e se houvesse reclamação por parte de algum professor, o aluno era severamente castigado.
Minha professora se chamava Dona Marta, uma pessoa ainda jovem, de estatura média, morena clara, muito dócil e também dedicada na maneira de ensinar seus alunos.
Dona Marta morava no Cambuci, na Rua Eulália Assunção, próximo da Igreja de São Joaquim, ou Nossa Senhora da Glória, mais conhecida como “Igreja do Cambuci.”
Todos os dias, quando findavam as aulas, havia na porta do Grupo Escolar São José, um senhor que vendia um doce que as crianças chamavam de “Machadinha”. O doce tinha duas cores: amarelo e rosa. O amarelo era sabor abacaxi, e cor de rosa era sabor de morango.
A criançada chamava o doce de machadinha, porque ele era cortado com um machadinho, mas outros chamavam de quebra-queixo.
Hoje não vejo mais daquele doce amarelo e rosa, vejo o quebra queixo de coco que é de uma cor marrom escura.
Esses doces eram muito baratinhos, um pedaço custava cinquenta centavos.
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Grupo escolar São José e primeira comunhão
Naquele mês de outubro, do ano de 1948, os alunos de minha classe, e também de outras classes, fizeram a primeira comunhão em uma igrejinha na Rua Moreira de Godoy, e que faz parte do Instituto de Cegos Padre Chico. Mas as instruções de catecismo foram com uma professora de catequese ali do Grupo Escolar São José.
No dia da primeira comunhão, a criançada estava em jejum total, e, após a missa, foi preparado uma mesa com bolos e chocolatada ali no Seminário de Educandas. Hoje é Escola Estadual Nossa Senhora da Glória.
Hoje, já não há necessidade de jejum para se comungar, foi abolido há muito tempo pela igreja católica.
Lembro-me que cada aluno levou uma xícara de casa, para tomar o chocolate. Até hoje, não sei dizer o porquê mandaram-nos levar a xícara de casa. Talvez ali no colégio não possuíssem xícaras suficientes para todos.
Levei uma linda xícara de porcelana, que paguei bem caro, mas guardei por muito tempo. Comprei a tal xícara, no armazém do Seu Moraes (assim era chamado), na Rua Gomes Nogueira.
Hoje em dia, este armazém de secos e molhados não existe mais. O prédio foi totalmente reformado e no local agora é uma padaria: A padaria Santa Cândida.
Quanto ao antigo prédio, de número 900, da Av. Nazaré, e que outrora pertenceu ao Grupo Escolar São José, até poucos anos funcionou a Faculdade São Marcos. Hoje não funciona mais.
Passei por lá estes dias e vi uma placa de “VENDE ou ALUGA”. Não sei se é tombado pelo Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo, mas se não é, deveria ser.
O governo do Estado deveria comprar o prédio, cujo construtor foi Ramos de Azevedo e a arquitetura é muito linda e não se vê mais construções tão bonitas assim nos dias atuais.
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