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Categoria - Personagens Santo Amaro e seus personagens 7 - Júlio Guerra Autor(a): Estanislau Rybczynski - Conheça esse autor
História publicada em 09/02/2015
Santo Amaro, um bairro-cidade, que já foi município de São Paulo por um século, 1833 a 1935, tornando-se bairro por decreto em 1935. E, como tal ainda hoje, conserva ares de interior que pode se notar em algumas ruas, ainda tortuosas e estreitas, herdadas dos colonizadores portugueses, que ainda hoje predomina nessa cidade cosmopolita.
 
Ainda aqui, encontramos casas simples de telhado com telhas feito nas coxas (romana antiga) - telha essa feita por escravos onde moldavam a telha na coxa e cada uma saia de uma medida, devido ao tamanho das pernas dos escravos.
 
Sua praça principal tem um dos símbolos maiores das cidades do interior, que é o coreto, onde se ouvia muitas retretas com suas bandas musicais e com os músicos todos uniformizadas de um azul forte. Há muito tempo estão desprestigiados pelas autoridades e a modernidade.
 
Assim como podemos notar nos sotaques dos decanos do bairro, com seu palavreado característico de uma época não tão distante, herdados por muitos.
 
E foi nessa cidade e bairro que nasceu um expoente da pintura e da escultura brasileira, que foi Júlio Guerra. Suas obras possuem originais e réplicas por diversos bairros e cidades do Estado de São Paulo.
 
***
 
Júlio Guerra, nascido na cidade de Santo Amaro Paulista, em 20 de janeiro de 1912, faleceu em 21 de janeiro de 2001, com 89 anos. Filho de Narciso Guerra e Maria Fenucci Guerra, residiu na Rua da Palha, nº 6, atual Paulo Eiró. Os assentos foram registrados por “Officio de Escrivão de Paz Tabelião Official da Comarca de Santo Amaro”, assim deposto:
 
“Aos vinte dias de janeiro de mil novecentos e doze, nesta cidade de Santo Amaro, em meu cartório compareceu Julio José Guerra e me declarou: Que hoje às dez horas da manhã, em uma casa desta cidade, à Rua Paulo Eiró, número seis, nasceu uma criança de sexo masculino que terá o nome de Julio. É filho legítimo de Narciso Guerra, negociante e de Maria Fenucci Guerra; ele natural desta cidade onde casaram e residem e ela natural de Lucca, Itália. São avós paternas Antonio Augusto de Miranda Guerra e Dona Innocencia Clara de Oliveira e maternos Lourenço Fenucci e Annabéla Fenucci. Nada mais declarou e assina este termo com as testemunhas. Eu, Octavio Machado, escrivão de paz o escrevi. (a.a.) Julio José Guerra: Luis Vieira Branco: Juvenal Luz. À margem na coluna destinada a averbações a seguinte averbação. Com o nome de Júlio Guerra, casou-se hoje neste cartório com Benedita Hessel, que usará o nome Benedita Hessel Guerra, conforme termo nº 1080. ‘Santo Amaro, 19 de maio de 1938’. Este documento foi subscrito, conferido e assinado pelo Oficial Maior Lourenço Sgarbi.”
 
Seu pai mantinha um bar situado no Largo 13 de Maio, nº1, com telefone nº 93, bem no centro de Santo Amaro, que, aliás, mantinha “mesa com velho balcão de bilhar".
 
Julio Guerra foi levado a Escola de Belas Artes por Álvaro Pinheiro, filho de Adolfo Pinheiro, em 1930, por ele ter grande facilidade para arte e pintura e aprimorá-las. Lá percebeu que tinha queda pela escultura, que se tornou sua arte principal, e, com isso desenvolveu suas principais obras que foram à escultura de Paulo Eiró, Borba Gato, Belchior de Pontes e a Mãe Preta.
 
Casou-se com Dona Benedita Hessel Guerra em 19 de Maio de 1938.  A mesma faleceu em 25 de Setembro de 1996. Com ela teve três filhos, Luiz Carlos Guerra (falecido logo as primeiras semanas de vida), Jairo Guerra (falecido em 27 de Setembro de 1958) e Elza Guerra (que está entre nós tomando conta das artes de seu pai).
 
Iniciou sua vida artística com 14 anos de idade, copiando desenhos da revista “O malho” e, além de desenhar, gostava de esculpir e montar figuras com argila colhida às margens do Rio Jurubatuba. Mesmo antes de estudar essa arte já tinha propensão à arte.
 
Aprendeu muito com os artistas da época, como Amadeu Zani e seu professor Nicola Rolo. Mas seu maior mestre foi Brecheret, com o qual trabalhou por alguns anos.
 
Júlio Guerra expôs suas obras em muitas bienais. Muitas vezes era considerado mais modernista que os modernistas da época, isso lhe trazia críticas dos contra modernistas e, ao mesmo tempo,  era apoiado pelos modernistas.
 
Ele admirava muito a linha de trabalho de Henry Moore e com ele aperfeiçoou as linhas femininas de sua pintura e escultura na década de 1950.
 
Também buscou influência no artista Aleijadinho, para se aperfeiçoar nas figuras e esculturas brasileiras quanto à escultura popular dos ceramistas.
 
Por gostar de pesquisar e inovar em relação ao material aplicado em suas obras, foi muito criticado, principalmente quando construiu a estátua de Borba Gato, nos anos 1950. 
 
Ele parou de frequentar os salões de exposições e passou a produzir suas obras, que causaram críticas e polêmicas, em seu bairro. Rompendo com as burocracias da época em relação às obras, realizando assim seu sonho der fazer o que achava melhor.
 
***
 
Suas obras:
 
Manoel de Borba Gato foi inaugurada em janeiro de 1963, à entrada de Santo Amaro. A estátua de quarenta toneladas e dez metros de altura - treze metros contando o pedestal -, é revestida de pedacinhos de pedras de mármore coloridas de origem brasileira.
 
Essa arte provocou reações das mais diversas, menos a indiferença.  Muitas pessoas consideram o bandeirante feio, outras bonitas e outros ainda diferente. Creio que arte é arte. Tem que ser visto com olhos de artista, olhos do coração e o seu significado, pois na arte não existe a beleza quadrada ou redonda ou ainda colorida e sim a arte.
 
O monumento poderia ser feita em bronze, mármore, mas Júlio Guerra preferiu da forma que ali está. Foi a sua inspiração de momento, e, assim que determinou a homenagem a um grande bandeirante Santamarense.
 
Uma curiosidade que indaga muitos moradores e visitantes: “Por que o monumento está naquela posição, olhando sentido centro da cidade de São Paulo e não para o bairro?”
 
A explicação deve-se a figura estar recebendo quem chega a Santo Amaro Seria como nós em nossa casa, recebendo uma visita e a recebemos de frente e não de costas. E ainda mais temos a orientação do leste onde nasce o sol e onde fica a Europa, lugar de onde vieram os portugueses que descobriram essa terra. Como também dizendo, seja bem vindo a minha casa, meu bairro.
 
Júlio Guerra, logo em 1930, tomou uma decisão de homenagear com obras, três ilustres santamarenses, seus conterrâneos como:
 
O padre Belchior de Pontes, que nascera às margens do Rio Pirajussara, região do atual bairro de Campo Limpo. Destacou-se em catequizar índios e é considerado fundador de Itapecerica da Serra, que na época era de Santo Amaro. Sua Herma (busto) em coluna de pedra está na praça em frente à igreja matriz de Itapecerica.
 
“O poeta Paulo Eiró, santamarense de grande vulto cultural, tem seu mural de mosaico de cimento armado dezoito por cinco metros, localizado nos jardins do Teatro Paulo Eiró, e sua frase mais popular é ‘O homem sonha monumento e só ruína semeia, para pousada dos ventos’.” A obra está localizada na Av. Adolfo Pinheiro, 765.
 
Outra homenagem a Paulo Eiró está localizada na Praça Floriano Peixoto, próximo ao coreto. Seu busto está em uma coluna tipo herma, ao lado de Iguatinga.
 
Os romeiros de Santo Amaro são homenageados com o monumento aos Romeiros. Um grande painel-mural em pedras coloridas, de aproximadamente 8m2 fica em frente à Casa da Cultura de Santo Amaro.
 
Outras artes de destaque do artista, foram as obras de Iguatinga, monumento em bronze de uma musa nua, que ficava num lago pequeno, dentro da Praça Floriano Peixoto.
 
Ao lado do monumento a Paulo Eiró, essa obra foi apresentada no XVI Salão de Artes do Almeida Junior, da Galeria Prestes Maia, em 10 de Abril de 1951. Hoje essa obra se localiza no saguão da biblioteca Prestes Maia, ex- Kennedy.
 
Coronel Carlos da Silva Araújo possuiu uma herma em sua homenagem exposta desde a década de 1940 até 2012, na Av. Mario Lopes Leão, antiga Rua Campos Salles, em frente ao antigo Grupo Escolar Paulo Eiró.
 
Devido a pichações, foi transferido e recuperado e colocado dentro da Praça Floriano Peixoto, formando um trio com os monumentos de Iguatinga, Paulo Eiró.
 
Outra de suas obras foi uma homenagem ao barbeiro Don Anedes Nemendes de Aragoia, 1850-1930, exposta em frente à Biblioteca Prestes Maia (antiga Kennedy). Foi ex-barbeiro da Real Casa de Bascelar. Era um tipo popular, filósofo que fazia música em sua terra, a Espanha. Vindo ao Brasil, morou em Santo Amaro por volta de 1920, e com sua sagacidade e ironia deixava o cliente pagar o corte do cabelo como quisesse.
 
Jesus Cristo, deitado e afagado por Maria, localizado no cemitério de Santo Amaro, que possui o maior acervo a céu aberto das esculturas do artista santamarense Júlio Guerra, em obra tumular como o de Elizeu Schimidt.
 
Estátua de Jesus Cristo e Maria, exposta no túmulo da Família Lameira, é um conjunto em bronze, de grande leveza, expressividade e sensibilidade humana.
 
A estátua de São Paulo, o Apóstolo, exposto no Largo de Los Andes, em São Paulo, em frente ao Shopping Morumbi. Na placa do pedestal está escrito:
 
Placa 1: “São Paulo – Tecelão, Apóstolo Cristão”.
 
Placa 2: “A Espada e o Livro – Símbolo da sua Missão – A Lei”.
 
Estátuas de Santana, Maria Menina e São José, expostas na Igreja Nossa Senhora do Brasil, na parte exterior; Imagem da Imaculada Conceição, exposta na capela da Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro.
 
Lembramos ainda os quatro painéis, em forma de cubo, sobre a História de Santo Amaro, expostos em bloco, ao lado da estátua de Borba Gato, na Avenida Santo Amaro.
 
Em 1942, Júlio Guerra foi convidado para trabalhar com Victor Brecheret (1894/1955), autor do Monumento às Bandeiras (1953, Ibirapuera). O artista ítalo-brasileiro ocupava-se de esculpir a colossal estátua equestre de Duque de Caxias, que seria erguida na Praça Princesa Isabel.
 
Na vida de Júlio Guerra, destacamos: participou da Bienal de São Paulo, da 1ª a 6ª edição, (ausente na 4ª edição). De 1939 a 1966, sua biografia registra o recebimento de 14 (quatorze) prêmios entre outros.
 
Em sua homenagem, foi dado seu nome ao espaço cultural municipal, também conhecido como “casa amarela”, que já foi sede da prefeitura de Santo Amaro.
 
Júlio Guerra sempre recebeu honrarias em bienais, além de possuir obras expostas, como “A Mulher com Criança” no Museu de Arte Contemporânea de Figueira da Foz, em Portugal.
 
Obras de Julio Guerra fora de Santo Amaro, com grande relevância artística e histórica são:
 
“São Pedro”, imagem localizado nos jardins da Praça Amadeu Amaral na Bela Vista (Bixiga). É uma escultura em bronze com (2,18m x 0,78m x 0,70m), com pedestal em concreto (1,52m x 0,66m x 0,68m), que inclusive está sem identificação como muitas em São Paulo, retirada por vândalos que depredam obras públicas.
 
“Mãe Preta” que amamenta seu filho, exaltando a figura de uma babá negra que criou os filhos dos senhores de engenho nos tempos coloniais. Homenageando a raça negra no Brasil, obra de 1955, localizada no Largo do Paissandu, ao lado da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. 
 
Obra essa que foi tombada pelo CONPRESP e que possui uma cópia em Campinas e dezenas de quadros e pinturas e pequenos monumentos em exposição na Pinacoteca do Estado.
 
Júlio Guerra era, além de tudo, um homem de hábitos simples. Morador da Av. João Dias, andava por Santo Amaro e adjacência como qualquer cidadão. Hoje sua casa está sendo tombada. Um processo que muitas vezes é injusto, pois nem todos se enriqueceram com sua arte e sua filha está vendo seu patrimônio desvalorizar com esse tombamento, sem ao menos ser consultada ou ser pago um valor justo pela ocupação do imóvel pelo CONPRESP.
 
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Publicado em 20/02/2015

Estan, mais uma vez leio com especial atenção o relato do amigo sôbre o bairro de Santo Amaro e seus habitantes ilustres, parabéns pelo didático texto.

Enviado por Nelinho - [email protected]
Publicado em 10/02/2015

Nossa!!!muita cultura e informação para o meu célebro,precisei ler várias vezes para assimilar algo,uma delas que desconhecia foi a telha moldada nas coxas feita pelos escravos...Esta riqueza de detalhes de Monumentos, Estátuas,Painéis foi uma aula das obras de Júlio Gerra da qual eu desconhecia e o final triste, de todo este patrimônio se perder em meio ao descaso e desconhecimento público.

Enviado por Walquiria - [email protected]
Publicado em 10/02/2015

na década de 60 o meu falecido cunhado JOSE VICTOR OLIVA foi prefeito de SANTO AMARO. e um dos donos da falcudade santa amarense(OSEC)

depois o prefeito foi JOSE MARIA MARIN;

Enviado por João Cláudio Capasso - [email protected]
Publicado em 10/02/2015

Como sempre, meu querido Estanis, sensacional. Obrigada por nos trazer personagens interessantes da sua região, que muito contribuíram para a construção cultural da nossa cidade. Meus parabéns. Belíssimo relato. Um abraço.

Enviado por Vera Moratta - [email protected]
Publicado em 10/02/2015

Estan: que beleza de narrativa. Eu aprendi muito pois tinha muita curiosidade com o sobrenome Guerra em algumas ruas da Chácara Sto. Antonio.

Parabens.

Heitor

Enviado por Heitor Iório - [email protected]
Publicado em 09/02/2015

Minuciosamente detalhada e criteriosamente elaborada, a mini-biografia de Julio Guerra, escultor santamarense por nosso valoroso colaborador Estan. Especialista em tratativas que se referem a Santo Amaro, Estan confecciona, com fios memoriais, um tecido de puro linho, entrelaçando informes com menção de localizações das obras do grande artista. Como sempre, um trabalho caprichado e esmeradamente informativo. Parabéns, Rybczynski, com um forte abraço.

Laruccia

Enviado por Modesto Laruccia - [email protected]
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