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Categoria - Personagens Zezinho: o vendedor de cafézinho Autor(a): Luiz Carlos da Silva - Conheça esse autor
História publicada em 13/10/2014
Todos os dias, Zezinho acordava bem cedinho e, enquanto tomava um banho, sentia o aroma agradável do café que sua mãe estava coando, no pequeno cômodo de um barraco. Morava com a mãe e mais três irmãos pequenos.
 
As dificuldades para conseguir alimentos para a pobre família eram enormes. A mãe era diarista em algumas casas na zona Leste e o pequeno Zezinho vendia café na Rua 25 de Março, no período da manhã. A tarde voltava para casa para ir para a escola.
 
Após colocar as duas enormes garrafas de café em um tabuleiro de madeira rústica, dirigia-se até a estação de trem para começar mais um dia de vendedor ambulante na Rua 25 de Março.
 
O garoto era muito comunicativo e carismático e no próprio trajeto já ia vendendo alguns cafezinhos para os passageiros. Quando descia na estação São Bento pegava a Ladeira Porto Geral e ficava encostado em frente a um shopping. Lá, ia oferecendo cafezinhos para todas as pessoas que passavam apressadamente com enormes sacolas, entrando e saindo das lojas.
 
Salim via, todos os dias, o garotinho vendendo café. Em um determinado dia, resolveu conhecer quem era aquele próspero garotinho falante e sorridente e cautelosamente aproximou-se e disse:
 
- Parabéns garoto! Qual é o seu nome?
 
Zezinho esboçou um sorriso tímido e disse:
 
- Meu nome é Zezinho e estou vendendo cafezinho quentinho que minha mãe preparou para o senhor!
 
Salim sorriu e pediu um café para o menino e, enquanto estava bebendo, disse para Zezinho:
 
- Você não está com fome? Não quer comer algumas esfihas?
 
Zezinho disse que necessitava terminar de vender todo o café e foi então que Salim disse:
 
- Quantos cafés falta para você vender?
 
- Não sei... mas creio que ainda faltam uns vinte cafezinhos!
 
Salim passou a mão no cabelo de Zezinho e disse:
 
- Ora Zezinho eu compro os vinte cafezinhos e vamos comer algumas esfihas que estou morrendo de fome.
 
Os dois seguiram desviando da lotada multidão da 25 de Março para uma casa Árabe. Entraram e sentaram-se em alguns bancos altos e pediram vários tipos de salgados e, enquanto os dois comiam os quitutes, Salim movido por uma inquietante nostalgia começou a contar os primeiros anos em que chegou ao Brasil:
 
- Sabe Zezinho, eu quando era jovem e cheguei aqui nesta terra maravilhosa, tinha muita vontade de estabelecer-me como um grande comerciante. Assim que desembarquei no porto de Santos segui direto para casa de um primo que tinha lojinha aqui na Rua 25 de Março. Recebeu-me muito bem e assim comecei a comercializar quase todo o tipo de mercadoria, em duas grandes malas que eu carregava com muito esforço pelo interior do estado de São Paulo. Vida difícil naquela época, porque tinha que bater de casa em casa oferecendo de tudo um pouco, desde canivetes, perfumes, carteiras, cintos e lindos cortes de panos e ainda sofria muito porque não sabia a língua dos brasileiros.
 
Zezinho deu mais uma dentada na esfiha e perguntou:
 
- Mas como o senhor fazia para falar com as outras pessoas?
 
- Ah... - Salim deu um sorriso encantador  -, eu pedia ajuda para o povo e dizia que estava tudo bem e até podia pagar depois. O povo gostava porque minha mercadoria era muito baratinha e assim eu fui negociando por vários meses. Até que aconteceu uma história engraçada. Em um determinado dia, cheguei em uma casa e a mulher pediu para que eu levasse na próxima visita um radinho. Como eu não entendi muito bem, levei pra ela um ratinho de pano. Ela ficou muito brava e depois sorriu muito e convidou Salim para beber um café e ainda comprou muitos perfumes de Salim.
 
Notava-se que Zezinho estava encantado com as histórias de Salim e foi então que perguntou:
 
- Mas amigo, e sua família, você não ficava com muitas saudades?
 
Os olhos de Salim lacrimejaram e com a voz embargada disse:
 
- Sabe Zezinho, às vezes eu ia dormir em pequenos quartos das cidades em que eu ia comercializar e meus pensamentos estavam todos na minha terra, nos meus pais, mas tinha que prosseguir e assim entre uma conversa aqui e outra conversa ali conseguia forças para seguir sempre sorrindo embora meu coração sofresse calado de saudades...
 
As pessoas que entravam na casa de quitutes observavam a conversa daquele senhor idoso e aquele garotinho que deixava o ancião falar e apenas restringia a ouvir as histórias com muita admiração.
 
- Zezinho, você está estudando atualmente?
 
Zezinho balançou a cabeça afirmativamente e balbuciou um sim.
 
- Tem irmãos, pai, mãe?
 
- Sim, tenho três irmãozinhos e apenas mamãe.
 
- Onde você mora?
 
- Moro muito longe daqui, na Zona Leste. Tenho que pegar o trem todos os dias para vir vender os meus cafezinhos.
 
Salim disse que gostaria de conhecer a família de Zezinho e foi então que Zezinho sorriu e disse:
 
- Mas o senhor vai ter que andar de trem, o senhor já andou de trem alguma vez na vida?
 
Salim riu e disse:
 
- Mas Zezinho o que eu mais fiz na minha vida foi andar de trem. Ele saia da Estação da Luz com destino as cidades do interior e depois voltava de trem também.
 
- Senhor Salim, naquela época os trens eram lotados também ou não?
 
- Não Zezinho, naquela época os trens que seguiam para o interior todos tinham que estar sentados para poder viajar... Era muito bom poder observar as paisagens com várias árvores, gados, lindas casinhas na beira da ferrovia. Ainda sinto saudades... muitas saudades daquele nostálgico tempo.
 
As perguntas de Zezinho não cessavam e Salim procurava responder todas com muita atenção. Repentinamente Zezinho levantou-se do banco em que estava sentado e disse:
 
- Desculpa-me senhor Salim, mas necessito ir embora senão minha mãe irá ficar muito preocupada com minha ausência.
 
Salim pagou a conta e saíram conversando até o estacionamento.  Salim pegou o carro e foi levar Zezinho até sua casa para conhecer a família daquele pequeno garoto morador da periferia. Assim que chegou à sua residência, a mãe de Zezinho ficou muito espantada e perguntou o que estava acontecendo e foi então que Salim disse:
 
- Não é nada não, apenas fiz questão de trazer o Zezinho até aqui para conhecê-los melhor e poder oferecer alguma ajuda, caso concordem.
 
Dona Matilde, mãe do Zezinho, não tinha palavras e convidou Salim para entrar e beber uma xícara de café, enquanto ouvia mais algumas histórias de Salim.
 
A partir daquele dia, todos os meses Salim fazia questão de levar mantimentos, roupas para as crianças e ajudar aquela pobre família que ficou muito feliz com o bondoso amigo. Um próspero comerciante da Rua 25 de Março.
 
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Publicado em 31/01/2015

Sendo verdadeira ou não, é uma história comovedora de elevado sentido e exemplo de compaixão...

Enviado por Alexandre de Macedo Marques - [email protected]
Publicado em 22/11/2014

Que linda história!

Linda mesmo!

Enviado por Benedita Alves dos Anjos - [email protected]
Publicado em 03/11/2014

Sua narrativa é sem duvida muito comovente, ainda me lembro quando criança aqui no bairro da Casa Verde, mais precisamente na V. Espanhola esses mascates com suas imensas malas naquelas tardes calorentas de antanho, batendo de porta em porta oferecendo seus produtos, eram na verdade quem levava até aqueles lares pobres alguma novidade e coisas de nescessidade, meus parabens, me deixou muito comovido, receba meu abraço. Marquezin.

Enviado por João Marquezin - [email protected]
Publicado em 21/10/2014

Lindo e comovente exemplo de amor ao próximo, Luiz, raras pessoas tem, hoje em dia gestos de desprendimento como o de Salím. Bonita história e bem redigida. Parabéns, Silva.

Modesto

Enviado por Modesto Laruccia - [email protected]
Publicado em 18/10/2014

Luiz Carlos, seu relato nos mostra dois belos exemplos: um de trabalho para ajudar nas despezas do lar e o outro de como se pode ser caridoso e doar alguma coisa mesmo não conhecendo a pessoa, parabéns pelo texto.

Enviado por Nelinho - [email protected]
Publicado em 15/10/2014

Graças aos Céus e a Deus, ainda os bons, são muito mais que os ruins.

Enviado por Marcos Aurélio Loureiro - [email protected]
Publicado em 14/10/2014

Que história linda!!!Parece um conto de fadas...è difícil de acreditar que alguem com uma cultura tão diferente seja assim tão solidario...mas...as pessoas nos surpreendem com atos desta natureza...Não sei quem se arriscou mais,o Zezinho ou o sr Salim!!!Mas no final tudo deu muito certo...

Enviado por Walquiria - [email protected]
Publicado em 13/10/2014

Luiz, que coisa maravilhosa é ter a oportunidade de ler isso: uma história muito bem escrita, com detalhes, profundamente humana. Em tempos de tanto desassossego, inércia, irritação e desconfiança, o seu relato foi um presente, um bálsamo. Muito obrigada e meus parabéns em letras garrafais. Um abraço.

Enviado por Vera Moratta - [email protected]
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