Publiquei uma história aqui, “Do Jabaquara a Santana a pé”, e o final pareceu a alguns um pouco estranho... Então vamos às raízes e motivos de Dona Nadeje!
1961: Por "mir" motivos, teve fim seu casamento besta e tumultuado com Seu João. Cada um foi pro seu lado, mais por força da minha mãe, que por consentimento do Seu João.
Mudamos então, da casa da Rua José dos Reis, na Vila Prudente, para a Rua Gomes, na Vila Ema, que na época era quase que “um fim de São Paulo”.
Tudo ficou muito difícil para a Nadeje com quatro filhos e sem profissão. Ela ficou cuidando de dois filhos, e mandou eu e outro irmão para casa de amigos e parentes. Eu fui para Barra Bonita, na casa de meu tio Dito e o Fernando, para casa de uma grande amiga, Dona Elza.
Foi nesse período que ela cursou a escola de modistas “Lilla”, na Praça Carlos Gomes, se não me engano.
Após um ano, em dezembro de 1962, voltei pra Vila Ema, junto dela e de minha "doce" avó. Minha mãe estava internada no HC para operar de um fibroma.
Eis que surge (quem, quem?), nada mais, nada menos que Seu João - o queridinho da "doce" vovó. Nos levou, eu e meu irmão, de caminhão para passear até Mato Grosso... num orfanato católico!!!!
Na conversa com o padre, meu irmão, mais esperto que eu, contou a verdadeira intenção do Seu João: tirar a gente do mapa para se vingar da Nadeje.
Claro que o padre não nos aceitou e tivemos que voltar para São Paulo. Na casa de uns amigos crentes, para quem provavelmente ele contou alguma história cabeluda, ficamos por um ano inteiro, inclusive frequentando escola na Vila Califórnia.
O tempo foi passando. Sem pai, nem mãe... Como estranhos no ninho... Nada a fazer nem a quem recorrer!
*
Alguns fatos descobertos depois...
Minha mãe enlouquecida revirando São Paulo, de tudo quanto era jeito, a nossa procura. Contou seu drama dentro da casa "7 linhas" na Praça João Mendes. Foi convidada a ir ao Centro de Umbanda em São João Clímaco.
E lá o guia, um caboclo, não me lembro o nome, mandou ela levar os dois desaparecidos em uma semana. Ela ficou uma arara... e foi embora.
Por instrução de um juiz, ela foi avisada que se nos encontrasse não poderia nos tirar de dentro de casa alguma, mas fora da casa “tchau e bença”!
Uma tarde estávamos, eu e meu irmão, sentados em cima da mureta frontal da casa dos crentes, quando meu irmão falou:
- Nossa, é a mamãe! (lembro disso agora, e choro...)
Eu não a reconheci, estava muito magra e já fazia mais de dois anos que eu não a via. Era ela e mais uma amiga, Dona Ruth, da Vila Diva.
Elas nos chamaram e, no meio da rua, nos pegaram pela cintura e saíram correndo ladeira abaixo, com uma turba enorme gritando:
- Ciganas, ciganas, roubando as crianças!
Uma doideira da época!
E aqui começa o mistério: no fim da ladeira tinha uma rua sendo asfaltada, com montes de pedregulhos, canos, asfalto, e até pixe fresco. Sabe-se lá de onde, surge uma Kombi branca, dirigida por uma mulher, que abriu as portas laterais, nos jogou em meio aos sacos de farinha e saiu em disparada com a turba gritando, ameaçando e correndo atrás.
Quando a gente se deu conta, já estávamos na antiga estrada de Vila Ema, entrando na Rua Gomes. Minha mãe entrou correndo com a gente e voltou para agradecer a motorista. Não tinha Kombi, ninguém viu a Kombi chegar... “Imagina, D. Nadeje, mulher dirigindo Kombi!”
Ao nos ver, minha doce vó avisou: ou ela ou nós. Minha mãe suplicou, mas a velha não tomou conhecimento.
Então minha mãe calabreza e emocional forçou:
- Mãe se você não me ajudar vou me matar e matar as crianças.
E a velha sarracena carcamana:
- Não seja por isso, tó - apresentando uma tremenda peixeira de aço...
Foi a conta. Minha mãe, a galega malarraça sarracena, catou a doce senhora e apontou o ponto de ônibus:
- Mãe o ônibus pra sua casa para ali, tchau!
À noite, estávamos em São João Clímaco. Teve uma baita festa no terreiro, que foi até o amanhecer. Dali, sem banho nem nada, partimos direto para o Fórum João Mendes para documentar tudo. Incrível! Teve outra festa com o pessoal do fórum, até o juiz entrou na farra.
Em questão de dias, estávamos morando em Belo Horizonte. Ela virou Dona "Odete". Nós não usávamos o sobrenome nem na escola. E assim depois de três anos, voltamos para São Paulo, na zona Norte, em Santana.
Por isso a reação dela, muito nervosa, quando demorei a voltar do Jabaquara.
Claro que ela evitava toda freguesa de Vila Prudente, para não ser surpreendida por acasos do destino...
Até hoje nos lembramos da cena da correria pra Kombi, com aquela turba atrás de nós e damos boas gargalhadas.
Valeu Dona Nadeje!
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