Sou de uma época em que, para assistir aos jogos dos campeonatos, tínhamos que chegar cedo, pegar uma fila muitas vezes enorme para chegar ao guichê e comprar os ingressos e assistir aos jogos.
Sempre houve tumulto, esgotamento dos ingressos sem prévio aviso, principalmente nos grandes jogos. Devido a isso e outros motivos, nunca fui constante aos jogos. Nos dias de hoje e principalmente em partidas importantes se reservam ingressos via internet e na maioria dos estádios há os assentos numerados; praticamente não existem mais gerais, onde os torcedores ficavam em pé ou sentados em pequenos degraus de concreto rústico.
Eram tempos românticos do futebol que tinham preliminares, festa de bandeiras, e, muitas vezes, torcidos misturadas. Era uma festa. Entrava com fogos de artifícios, guarda chuva e vendia-se de tudo no entorno e no próprio estádio vendia cerveja, frutas... (ainda vendem-se sorvetes, pipoca, amendoim e coisas congêneres, menos a “geladinha” e a “quentinha”).
Um dos problemas dessa época era se posicionar na frente da arquibancada e geral, a turma de trás, do alto, passava o jogo todo jogando bagaço de laranja, copo d’água e até urina no copo nas cabeças e nas costas do pessoal da frente.
Dividi muito as minhas idas entre Pacaembu e Morumbi e quase não tive problemas nos jogos de cunho pessoal, a não ser um dos jogos que fui assistir entre Corinthians e Portuguesa, lá pelos idos de 1986 no Pacaembu.
Fomos, eu e dois amigos. Estacionei o carro num ponto próximo ao estádio e fomos os três comprar os ingressos na bilheteria da Rua Itápolis. A “fila” era um aglomerado monstruoso de torcedores corintianos. Sabíamos do fanatismo da gente corintiana, mas aquele jogo não era para tanto e a desordem era total. Uns três guichês abertos e nós lá atrás com centenas de pessoa na frente. Quase desistimos.
A solução para adquirir os ingressos, seria apenas um de nós a enfrentar a multidão e o escolhido fui eu por ser o mais alto e mais forte. Peso pesado, me encarregaram de ir me infiltrando na medida do possível naquele “mar” de gente, pois o jogo estava prestes a começar, e ia penetrando. Os mais baixinhos e mais fracos iam ficando para trás e eu avançando.
Depois de alguns minutos já estava próximo ao guichê, recebi alguns cutucões, pisões e xingamentos, mas cheguei. Meus braços ainda não conseguiam alcançar a grade do guichê, sentia-me dentro de um ônibus superlotado que quando se tirava o pé do chão já tinha outro no lugar e isso fazia que parecesse estar flutuando, mas quando alcancei a grade da bilheteria com as pontas do dedo, pensei: “ou guichê vinha a mim, ou eu ia a ele”. Acabei indo a ele e prensando vários torcedores contra a parede, mas comprei os três ingressos. Para voltar da aglomeração foi mais fácil.
Fomos para a entrada e nos posicionamos num bom local, centro das arquibancadas, lado oposto das cabines de rádio e TV. Parecia que só tinha aquele lugar para três pessoas, e, para variar, não podíamos ficar sem tomar a nossa cervejinha que na época era aquele frasco de vidro meio litro, servida num copo grande de plástico. Antes do inicio da partida um de nós ia buscar em forma de rodízio. Era difícil chegar ao corredor dos bares, mas pela “loirinha” valia a pena.
No intervalo do jogo foi minha vez de escalar os degraus até chegar aos bares da parte superior e nosso lugar era guardado para ninguém sentar ali, porém, quando voltei, havia um menino sentado no meu local. Creio que meus amigos esqueceram de guardar o local ou alguém tirou o obstáculo de que ali tinha um reservado.
Avisei o menino que aquele assento era meu e o pai mais atrás não gostou. Expliquei o que o local era meu e tinha buscado a bebida com a concordância dos amigos, mas ele não quis sair. Eu, com os copos na mão, não tive alternativa: sentei em cima do menino, que pulou rapidinho para não virar pastel. Imaginei que o pai dele iria vir para cima de mim, mas ficou quieto, pois podia sair um “rififi” ali, como acontece muito nos estádios.
Tudo acabou bem. Assistimos o restante do jogo e o timão ganhou... Não lembro o placar.
No inicio dos anos 2000, recomecei a ir aos estádios principalmente ao Morumbi. Ia com minha filha menor de idade e em jogos que não eram clássicos regionais e nacional. Fomos a uns dez jogos... Como moro próximo do Morumbi, no fim da Giovanni Gronchi, para os jogos das 16h00, saíamos de casa por volta das 15h30 e dava tempo de chegar, comprar ingresso e ficar em bons lugares, na arquibancada.
Depois das desavenças entre Corinthians e São Paulo, onde o Corinthians não jogou mais no Morumbi, não fui mais ao Morumbi e particularmente acho que o São Paulo FC, saiu perdendo, pois em muitos domingos o estádio fica vazio só com apoio do Santos FC e Palmeiras.
Tudo isso para dizer de uma época do romantismo do futebol. Qualquer um podia ir tranquilamente, exceto certos clássicos que sempre tiveram problema de tensão em todo sentido. Na ultima década muita coisa mudou. Torcida organizada tem preferência, tomam conta dos estádios, ingresso de preferência para as organizadas e sócio torcedor... Se por um lado melhorou quanto aos ingressos pela internet, quem quiser ir repentinamente não consegue.
Assim como o Maracanã e Pacaembu que viveram sua época de ouro, onde o pobre lotava os setores das gerais (que não existe mais), onde rico e pobre vibravam uníssonos por seu clube e estes davam vida ao futebol, hoje, vemos o futebol um esporte como espetáculo de teatro ou cinema, com valores altos, com cadeiras numeradas, ingresso eletrônico e torcida (na sua maioria) de pessoas de posse financeira mais alta. Enfim, parece que o futebol esta caminhando para um esporte de elite, como Fórmula 1 e tênis, onde a renda do publico não é mais tão importante, pois as redes de TV aberta e fechada e patrocínios é que sustentam os clubes, talvez seguindo a linha das modernas arenas espalhadas pelo Brasil.
Para comprovar o amadorismo dos “profissionais” do futebol até os anos 2000, os grandes jogos eram só no Morumbi, independente do São Paulo FC estar ou não na final, por proporcionar grandes rendas, com grande público.
Depois dos adventos dos grandes patrocínios e verbas milionárias da TV, os times grandes fazem finais na Vila Belmiro com 15.000 pessoas, Pacaembu para 35.000 pessoas e assim por diante.
Porém, agora com o estádio do Corinthians e Palmeiras, a maioria dos jogos voltarão a ter grande publico. O problema será o valor dos ingressos, mas, sempre haverá quem pague por isso.
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