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Logo depois de terminado a II Guerra Mundial o mundo estava uma lona que fazia dó. O Brasil que praticamente não participou da guerra a não ser mandando quase meio centena de homens para a Itália para ajudar os Aliados (Americanos) em Monte Castelo, para serem buchas de canhão e até que não de deram mal. "Entre mortos e feridos voltaram quase todos" Do Itaim Bibi, alguns moços foram chamados para ir à Itália, para o choro desesperados de muitas mães, como dona Antonia nossa vizinha quando o Vado foi chamado.
O desespero delas era que talvez estivessem vendo seus filhos pela última vez. Não se teve notícia que na volta da guerra quando todos foram levados para o Largo da Maná, na rotatória onde desembocava as Ruas: Joaquim Floriano, São Gabriel e Avenida Santo Amaro, que algum deles não tenha voltado. Quem lá esteve, lá na Itália, foi o chefe da firma que eu trabalhava o seu Antonio Morgado. Ele contava a epopéia daquela guerra, onde viu o que era miséria e tristeza de um povo em um país jogado praticamente na lona. Pessoas comendo pão duro e até restos de comida nos latões de restaurantes. Mulheres se oferecendo para fins sexuais. Para ganhar um dinheirinho ou então um tablete de chocolate que o governo dos Estados Unidos mandava para os aliados. Aqui na nossa terrinha, com um pouco de pão, a gente se virava como podia, tinha a rapadura que na falta do açúcar dava para adoçar o café com leite do nosso dia a dia.
Aquela rapadura eram tabletes de mais ou menos dez x 20 cm que a garotada se lambuzava toda, quando falta o normal, o povo como bom brasileiro improvisa, e eu na época com dez anos, ia aos campos e terrenos baldios para catar um produto que bem temperado dava uma boa mistura no almoço e na janta e quem era vidrado naqueles produtos eram os estrangeiros. Estou falando de Funcho, uma iguaria que nascia sozinha no mato, principalmente quando chovia pela madrugada e saia o sol pelas sete horas, aquilo brotava aos montes.
Funcho foi o nome que a gente deu, mas o nome verdadeiro era Cogumelo, que mais parecia um pequeno guarda-chuva de cor acinzentada. Tinha um chapéu de uns dez centímetros de diâmetro e um talo grosso. Depois de pegar vários funchos a gente botava na carriola e ia vender no Brooklin Velho e cidade Monções, onde tinham moradias de gente de grana. Alguns funchos que a gente levava para casa eram cosidos com um belo tempero de tomate, cebola e alho, regado a óleo estrangeiro.
Aqui no Brasil os efeitos da II guerra iam até por mais tempo. Ainda no início dos anos 1950, esses efeitos eram vistos na distribuição de pão porque a farinha ainda estava racionada. Para se obter um filão de pão, era preciso ir à fila da padaria do seu Delfim (Rua João Cachoeira) pela madrugada e, quem ia, era minha irmã com apenas 14 anos. Tinha também a segunda fornada que saia às 14h, mas aí era em outra padaria, a da Rua Bibi (hoje Renato Paes de Barros) esquina da Rua Joaquim Floriano, lá também era um filão para cada pessoa. Para casa iam dois filões porque meu irmão ia junto.
Já na parte da tarde tinha pão fresquinho na venda do seu Juca na Rua Imperial, e no mesmo horário o pão saia na padaria da Rua Bibi, era sair de uma para correr para a outra. Quem gostava de ficar nas filas eram as mulheres que gostavam de fazer fofoca. Coisas interessantes que uma ou outra ficava sabendo da vida alheia. Eram velhacas que iam logo perguntando a outra tem alguma coisa nova da sua vizinha? Pode falar que minha boca é um tumulo! Depois de ouvir ela retribuía com sua fofoca. Sabe a Maria dos cachorros? Então, fiquei sabendo que ela perdeu o cabaço. Se não casar com o namorado, o que viera depois vai casar com moça "furada".
Tivemos anos de muita secura no inverno e também os rios ficavam quase secos durante muitos dias e pela falta de água havia o racionamento quase de tudo, a começar pela energia elétrica e posteriormente de mercadorias, como aconteceu aqui em São Paulo em 1954, 1963 e 1984 porque não chovia e os rios e represas estavam quase secos. No Rio Pinheiros, próximo a usina de Traição perto da minha casa, eu quando garoto entrava com água pelas canelas. O racionamento de energia ia da manhã até a tarde, quando as donas de casa tinham que passar roupa. Mas elas choravam mesmo era por perder as novelas da rádio São Paulo, e no Itaim, mais pelas novelas das 2h da tarde quando se apresentava o radialista Geraldo Cunha de uma família tradicional do bairro.
Quando da disputa da Copa do Mundo na Suíça de 1954, a Ligth adiava o racionamento momentaneamente para o povo ouvir a transmissão do jogo do Brasil. O radialista Manoel de Nóbrega antes de terminar seu programa na Rádio Nacional pedia para o povo não abusar do uso da energia para não complicar mais a situação caótica e no dia de jogo que o programa dele ficava no ar por poucos minutos ele se despedia dos ouvintes dizendo: Até amanhã, com a vitória do Brasil, após o jogo, entrava dona Sarita Campos com seu programa dedicado as mulheres e a noitinha depois da Ave Maria de Pedro Geraldo Costa, vinha o programa Bate Bola, com Wilson Brasil, Jaime Moreira Filho, com quem Wilson Brasil dividia a transmissão do jogo, mais, Helio Prioli, e Milton Galdão.
O rádio era uma delícia. Naqueles anos ele era a nossa televisão sem imagem, os ouvintes iam imaginando a fisionomia dos artistas de rádio. As moças tinham sempre a visão de homem bonito e quando algum ouvinte ia ao auditório e via de perto aquele que amava, podia ter fortes emoções ou uma grande decepção quando não era aquilo que a moçoila havia imaginado, principalmente quando ela imaginava ser ele um "pão" (moço bonito) e quando via que o cara não passava de uma “bagaça”, o choro era inevitável. Mas como sempre a esperança é sempre a última que morre, um dia eu acerto na loteria do amor, dizia ela.
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Talvez tenhamos a mesma idade, pois, lembrando da minha infancia, foi isso mesmo que aconteceu.
NOTA 8 Enviado por ANALISTA DE ESTÓRIAS - [email protected]